A Metalive


A Metalive
          Longe de mim subverter a evolução natural da língua portuguesa, louvando aquela lei antiga e cafona que acabou efetivamente não pegando. Uma lei que impedia a designação de palavras existentes no português usadas em outro idioma. O criador dessa lei, que pelo visto não tinha projeto algum pra se ocupar, seguindo a lógica do seu partido pragmático, nacionalista, conservador e chato, defendia a cultura nacional dessa forma, estanque, atrasada, sem a leitura adequada da evolução das línguas. O resultado é que sua lei ficou igual a fruta temporã, caiu do pé, como se diz no Nordeste, peca, já azeda e ninguém deu a maior importância.
          Pois bem, mas nessa pandemia que nos consome e desatina com a morte batendo à porta, com muita gente em casa ou quem pode nela estar, fez o mundo inteiro ficar cara a cara com o computador, vide os coitados dos professores em suas home office ( comecei a sacanear a lei ) ou grudados aos telefones celulares, em inúmeras discussões sobre economia, Covid19, cozinha, a pornopolítica e os cambau.
         Os telefones não tem mais memória, foram feitos com pouco espaço pra gente continuar financiando operadoras e fabricantes e pra submetermo-nos ao controle dos regimes. A internet está abarrotada com anúncios de lives. Sequer falam termos como bate papo, conferencia, mesa redonda ou quadrada. É Live, Live, Live! Ainda que fosse Love, Love, Love, tal qual a música de Caetano, soaria harmônica e insinuante. Mas é web de todos os matizes, que deixa o cidadão tonto com uma vastíssima programação que ele sequer dá conta.
          Essa modalidade de acesso ao público tem sido a forma com que muitos músicos tem se mantido em contato com seu público. Outros, os atores, infelizmente estão ferrados sem o contato caloroso do público, sua razão de ser. Os políticos, ah, esses então, descobriram um jeito de trabalhar menos em e com suas comunidades, procurando nessa modalidade de contato granjear o apoio de seu público, dos seus militantes, dos seus tontos e do gado cego e surdo, nesse último caso, os protofascistas, representantes de uma epidemia que ressurgiu depois de três décadas controlados por uma vacina chamada democracia. Mas pelo visto, infelizmente, essa vacina não promove uma imunidade permanente e, portanto, vemos pais afora doentes em profusão, espumando salivas de ódio classista numa crise sanitária mais perigosa que a da corona vírus.  
      Mas voltando às lives, diria que a coisa tá mesmo complicada, pois pra acompanhar essas webs qualquer coisa, estou aqui às duas da manhã fazendo uma live das lives. Sim e vou logo patenteando o que chamarei de Metalive em homenagem aos milhões de epidemiologistas que se graduaram na faculdade “gulgu” no verão 2020 com a chegada do novo corona vírus. Assim, estou aqui tentando entender o que está acontecendo, pois hoje estava marcado via meus contatos, uma live de MPB, live de pagode, live de extrema unção, live de cozinha progressista, live remédio pra curar cornuália, live pra livrar-se dos demônios da sexta-feira à noite. Minha mulher mais cedo me olhava de forma estranha e desconfiada, reclamando que até no banheiro eu estava grudado no celular. Certo é que eu não poderia perder as palavras mágicas que surgiriam na tela e que dariam direito a um brinde promocional em uma certa live pra utensílios de cozinha, quiçá a possibilidade de tornar-me um masterchef na idade de risco. Vai que me concedam um voucher pra ir até um boteco, assim despido, sem máscaras de proteção no rosto e sem olhar desconfiado para um garçom como alguém que estivesse contaminado pelo Covid 19, como se fosse ou estivesse numa Pasárgada qualquer.
          Enfim a Metalive já encaminhada, com suas correlações espremidas a me mostrar como seria mais uma semana de quarentena, se discutiríamos o exame de fezes do fdp do presidente ou se aquele antigo piloto de formula 1, aquele que soube agora que o Brasil toma 7×1 da Alemanha e do resto do mundo todo dia, iria startizar uma revolta popular junto à nossa letárgica esquerda. Em virtude desse enigma foi que decidi fazer uma revisão de cada uma daquelas lives e então amigos ai o caldo entornou, quando esbarrei numa live discutindo novos estilos de roupas, joias no contexto covidiano. Nessa live apareceu uma imagem interessante de uma mulher trajando uma lingerie preta ultra, mega, plus, ousada, dizendo que aquela sensual indumentaria harmonizava perfeitamente com um potente aditivo erótico para noites solitárias. Olhei pra um lado e pra outro desconfiado e fiquei sem saber se a harmonização era com a roupa anunciada ou se eu tinha tomado algum vinho estragado. Meio cabreiro mudei de live, são tantas ao mesmo tempo, e eu já estava vendo um deputado bundudo e barrigudo desfilando no salão verde da Câmara dos Deputados trajando apenas um fio dental, ao tempo em que o telão mostrava ao fundo cenas fortíssimas do gado, uns 300, passeando pela esplanada dos ministérios,  abanando o rabo solenemente e com um dildo vermelho exposto na retaguarda.
A Metalive foi interrompida pois acho que preciso consultar um médico o quanto antes. Creio, tá rebocado,  estar vendo coisas em meio a essas madrugadas insones.


Wagner Bomfim

31/05/2020

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Unknown
5 anos atrás

Tacos de beisebol são protegido pela PM que, assim como a escorpião que ferroa o sapo nas costas, cumpre seu papel de proteger uma elite perversa e fascista. Em live e, de live em live, assistindo o grande espetáculo da revolução dos subalternos nos EUA e que agora, por certo, virá pra terra brasilis. Excelente reflexão querido amigo Wagner

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