Complexo de vira lata

Complexo de vira lata
          De longa data se fala que o brasileiro tem um complexo de vira-lata medonho. Para o brasileiro de classe média nada é mais importante, nada é tão superior, que não seja originado dos EUA ou mesmo da Europa mesmo que o glamour dessa última não esteja tão em moda para os News rich tupiniquins.
          Desde conversas acaloradas em mesas encardidas de botequim até os muxoxos de “botocadas” senhoras nos salões dos Jardins paulistanos, com suas arquiteturas moderníssimas, com seus pés direitos imensos que chegam a comportar um avião Concorde, Emmanuel Macron que o tenha.

 Lembro, desde a infância, quando a economia doméstica da família era incapaz de suprir-me de qualquer desejo juvenil, capitalista e americanizado por uma calça Lee, naquele estilo despudorado à James Dean, e meu pai, quando raramente podia, me chegava com uma calça fubenta de marca U.S.Top. Ai era uma dor de cotovelo só.

          Creio ter sido dessa época que me apareceu uma alergia inusitada,  confesso, passei a odiar tudo que fosse americano ou que de lá fosse originado. Até o leite em pó, novidade na época, eu tomei a decisão que não iria beber. Preferia não engolir aquele pó branco, pois eu justificava que continha veneno formicida  e que seria o motivo de enormes desarranjos. Ele, o leite, vinha numa caixa de papelão onde se destacava uma insígnia com duas mãos se apertando e lá estava escrito; “Aliança para o Progresso”. Para o progresso da USAID. Aquilo literalmente não me entrava bem e a história aí está pra mostrar que não estava errado. Certo é que aquela rebeldia nutricional acabou resultando num cidadão magrelo e teimoso. Mas a cabeça, essa sim, continuara imune a indesejados costumes.       
           Mas calma amigo, estou ainda na década de 60, de frente para as fotos de desaparecidos políticos nas paredes amareladas da agencia de correio e da estação rodoviária. Sequer cheguei na porta do atual Tribunal Superior Eleitoral, como um certo partido político  e seu ex-representante que deve estar se borrando de medo, pois temeroso que está por conta das importadas Fake News.   

          Pois bem, aquilo me fazia mal e ingerir, confesso, era o fim. Com tudo aquilo acabei certa feita diante de um senhor de óculos, todo de branco, que me receitou sabe-se lá pra quê, um frasco de Óleo de fígado de bacalhau, Leite de Magnésia de Philips e outras desgraceiras que meu intestino virou um motor, explodindo em propulsão, ajudando até o homem a chegar à lua. Jurei que um dia me vingaria dele, todo circunspecto e, no máximo,  o que consegui foi entrar na sua corporação.
          Mas devaneios pra lá e focando no mister filosófico do vira-latismo da classe média brasileira, soube agora que as empregadas domésticas multimilionárias da classe média estão articulando um golpe de estado transnacional para poder ir pra Miami nessas férias nortistas e do nordeste brasileiro, ops! pois mudada que foi a geografia pelos terraplanistas militares. Prova desse novo culturalismo da nacional geografia é que até emancipação territorial já se antevê pois o Ministro da Saúde do Brasil, especialista em logística, já transformou a cidade de Porto Velho em um novo estado da, ainda, federação brasileira.
          O complexo de vira lata como diz uma amiga, “é o must”, é a expressão maior da necessidade  de valorização da classe média urbana brasileira pós guerra e dou aqui o exemplo de um antigo professor, pai de uma colega, que viajou pra os “isteites” e de lá chegando, em Miami é claro , trouxe lindas e felpudas toalhas brancas. Chegando ao Brasil, ao abrir as malas, veio a perceber que as virginais toalhas brancas eram na verdade as… Toalhas Santista!

          Pois bem, assim como o cão vira lata, é um aprimoramento de raças (SRD), dizem os veterinários, o que vemos e temos aqui, no caso da classe média brasileira é só a casca, a roupagem ou plumagem muda e surda, pra não dizer tapada. Lá dentro, na genética, os telômeros são “cotós” tal qual o fedegoso cérebro de uma madame daquele salão paulistano, que arrotava prepotência e pressa que nem a língua do pê atropelava. Tudo porque ela queria – “fazer o cabelo”, deixar lindérrimo para uma recepção e a “bichinha” ainda não tinha colocado os bobes e o laquê “atrasando-a de morte”!!
         Esse trololó todo é só pra dizer como somos aculturados, desprovidos de consciência histórica e de classe e como o vil metal do capitalismo vai atropelando nossa língua, nossos costumes e que pouco a pouco vamos ficando boko mokos, como nossos pais.
        A culpa disso tudo é dessa frente fria, pois neva lá fora obedecendo a nova geografia e essa quarentena “é uma misera”, dá um banzo danado como se diz no bom baianês. Uma saudade incontida nos faz piegas e nem um licor de São João pra aquecer o esqueleto.
Wagner Bomfim

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