Narrativa e poder

          Essa semana participei como ouvinte de um debate acalorado na internet, moda e evolução importante nesses tempos de isolamento social gerado pela pandemia do Covid19. Nessa live, os acadêmicos, discorriam sobre o tema individualismo capitalista x solidariedade socialista e em dado momento atrevi-me a fazer uma pergunta, fundamentada nas minhas limitadas crenças sobre o assunto. Em dado momento um professor respondeu à questão sendo que, logo após, um outro historiador tinha posição totalmente antagônica numa clara disputa de narrativas entre os debatedores ali presentes. Dado essa diferença de opiniões passei a me questionar do porquê dessa dicotomia vez que se tratava de idênticos profissionais das ciências humanas. O debate me intrigou a ponto de vir aqui palpitar, igual a tantos internautas que se valem desse veículo para expressar seus pontos de vista, nem sempre racionais, nem sempre lógicos, mas ponho a cara na janela valendo-me do direito de opinião para falar sobre os acontecimentos políticos dos últimos tempos.
          E começaria dizendo que a história é um subproduto do mundo real, do mundo material, sendo ela apenas um reflexo, um registro textual. A narrativa é uma invenção sujeita as nossas vontades, a nossa ideologia, por mais que nos isentemos disso. Ela carrega o peso das nossas escolhas e, portanto, molda os fatos, a matéria com as cores que desejamos.
          Ao longo dos anos, percebemos a narrativa como uma construção, uma invenção sobre o fato a despeito da existência dos valores históricos implícitos.

          A política, inevitavelmente, contamina a narrativa histórica e quando embasada em pressupostos candentes, emocionais, acaba por tornar-se predominante vez que a razão não necessariamente pode ser o motor para sua efetiva expressão factual. Exemplo disso foi e tem sido a enxurrada de mentiras, falsidades, hoje cognominada de fake News, que são responsáveis por execrar as melhores reputações desde que interesse ao stablishment ou a correntes predominantes no cenário político a sua destruição.
        Caixa, Luta De Boxe, Canguru

                  A estrutura política brasileira digladia-se secularmente entre um modelo escravocrata, claramente associado a posições de direita do nosso espectro político e uma outra narrativa que busca se contrapor a esse modelo, associado a uma centro esquerda reformista e uma esquerda revolucionária. É como se essas visões de mundo, como um sobrenadante, definissem a pauta histórica, literalmente como ocorre na imprensa de todos os matizes, determinando o consumo dos fatos, o consumo dos eventos históricos sob o prisma do interprete, seja ele jornalista, historiador ou qualquer liderança político social dispondo cada um, a seu modo, o viés ideológico de ocasião.

          Desde a subida ao poder no início do século XXI a centro esquerda brasileira disputa uma visão de mundo, uma narrativa contra seus oponentes de direita e extrema direita. Este tem no mantra de combate à corrupção sua assertiva maior e impõe a sociedade uma visão própria dos fatos, mas que é certo, ela é a grande mentora, pra não dizer a grande corrupta. Não significa dizer que no campo oposto existam apenas anjos celestiais barrocos. Desse modo por pouco mais de uma década essa centro esquerda conseguiu, à custa de uma política distributiva, impor uma narrativa histórica fazendo assim valer seu projeto de poder, a despeito de segundo os críticos, essa trajetória ser marcada por equívocos durante o exercício do poder.
         Desde as movimentações de rua de 2013 alimentaram uma narrativa de criminalização dos partidos de esquerda e seu projeto político, econômico e social e foram  patrocinadas pela grande imprensa, conforme inúmeras matérias ( Le Monde Diplomatic)  em conluio de grandes setores do judiciário culminando com um golpe de estado em 2016 e abrindo caminho para a instalação do fascismo no Brasil.
          Hoje, em editorial de PIG, jornal da imprensa golpista, como dizia o saudoso Paulo Henrique Amorim, foi alçada uma tênue e hipócrita bandeira branca ao maior partido de centro esquerda do país, no caso o PT. Nesse editorial, a velha imprensa vale-se exatamente da narrativa dominante para, a seu bel prazer, distorcer os fatos históricos recentes e, portanto, colocar-se em evidencia no firme propósito, óbvio, de manter a sua secular dominação das classes populares. Chega ao cúmulo de pedir à sociedade para perdoarem o PT. Pretensiosamente, esse editorial busca colocar a esquerda no limbo da história, isentando-se contudo das responsabilidades que ela mesmo criou ao transformar partidos de esquerda e pessoas  ligadas a esses partidos em inimigos públicos desaguando no caos politico institucional que se instalou no país com a tomada do poder por inaptos, corruptos e vendilhões da riqueza nacional.
          O governo atual apropriou-se exatamente desses elementos normativos, históricos e políticos, mantendo-se em evidencia no imaginário popular como a alternativa de poder, propiciada pela propaganda dos meios de comunicação com a demonização da política e negação das contradições de classe. A narrativa tem sido usurpada pela extrema direita e pouco a pouco avança com a defesa de parte de pautas  defendidas anteriormente pela esquerda, porém com todas as práticas de um regime ditatorial fascista.

          A esquerda burguesa debate-se no presente entre a pandemia, que imobiliza os passos de suas lideranças bem como dos movimentos sociais por conta do isolamento social limitado mas também por falta de uma unidade programática revolucionaria de poder, elemento catalizador para a assunção ao poder, independente de bandeiras partidárias, sem dispor de uma narrativa que emocione, como em passado recente da república e que emoldure  a retomada do poder,  que possibilite as transformações sociais, econômicas e políticas  necessárias para as classes populares espremidas no fosso da exclusão.  

Wagner Bomfim
11/07/2020

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Neci Soares
3 anos atrás

Muito bom, desnuda está mídia golpista que sobrevive da miséria e da ignorância propagada propaganda por ela.

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Comentários

  1. Profa Me Cintia Portugal em Sempre
  2. Marirone em Sempre
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