Tenho o saco cheio da hipocrisia do natal,
Caixa de Pandora repleta de ganância, preconceito e racismo.
A cor preta da pele é como um cão sarnento,
é a chaga de meus antepassados sobre o frio cimento da marquise fria.
Tenho o saco cheio da mentira do natal.
Nem coloquei meu sapato lá fora, ensimesmado que sou,
sempre duvidei de presentes largados,
promessas de que seriam deixados ao pé de uma porta ou de janelas,
essas não as tenho, não se abriram pra mim.
Fiz um fogo pagão com uma lenha recolhida e dura, papelão crepitando sob um céu de uma longa noite escura.
Tenho o saco cheio da usura
do natal, da mesa repleta da fartura,
da opulência ,
do terceiro décimo no canto da sala dos pobretões engordurados.
Signos e sinos aplacam a minha fala, a voz, contudo, não sai.
Tenho o saco cheio de qualquer natal,
do Scrooge vermelho e escroto,
da Coca Cola fedida no arroto.
Na frente do olho padece o ardor,
não sobram lágrimas.
Tenho o saco cheio do infame natal.
Abro um presente esquecido
que esse mundo adormecido
embrulhou de ausência,
de fome e de dor.
Wagner Bomfim
24/12/2021
Fotos: istoedinheiro