Tudo começou no dia em que aquela senhora adentrou pela clínica, dizendo em alto e bom som para a recepcionista:
-Eu vim aqui pra o doutor dar um jeito no meu marido. Ele tem de ligar!
Ela aparentava uns 30 anos, mais ou menos, gordinha na cintura, ancas largas, face rechonchuda e uma tagarelice de doer os ouvidos.
A recepcionista sorriu meio desajeitada diante do inusitado fato e de pronto preparou a ficha para o atendimento, encaminhando-os para o consultório médico.
-Doutor. Meu marido se recusa a ligar , disse ela. O que foi retrucado imediatamente pelo dito cujo marido.
-Não faço aquela operação de jeito e qualidade!
-Prefiro morrer, falava o exaltado e transpirante marido sob a pressão da mulher.
Sua face brilhava.Seus olhos miúdos ostentavam um temor insuspeito do que aquele circunspecto homem de branco pudesse dizer ou propor uma possível cirurgia sobre o seu saco( o dele). O entrevero se estendia sob o olhar estupefato do médico e …
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-Como é cara ? Tu vai ficar aí parado? Não vai se habilitar, ô meu? O túnel tá liberado. Turbinado como eu estou é que ninguém me segura!
Não era nenhum Túnel Américo Simas, muito menos o Túnel Dois Irmãos, mas aquele momento inspirava diálogos ansiosos e expectativas de uma corrida desenfreada.
Ali, num canto, meio distante daquela euforia, encostado numa elevação qualquer, cabeça baixa, um espermatozoide respirava, entrecortado por longos suspiros e muxoxos.
-Quer o quê? Da última vez que tentei, ele, ( o dono do estabelecimento, para não tornar esta narrativa pornofônica, chamando saco, bago ou coisas impublicáveis para lá e para cá) queixou-se de dor. Sem falar numa hora em que tudo ficou escuro e frio. Também com aquela voz estridente dizendo:
-Vem meu piruzinho, vem!Vem aqui pra mamãe, vem!Vem aqui, antes de cair no canivete!
-Aí foi que desgraçou tudo. Minha cabeça inchou, eu fiquei com falta de ar, enjoado, quase morro. Nunca mais fui o mesmo.
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-Doutor. Eu já operei uma vez e esse negócio desligou. Me disseram lá no Hospital que era coisa definitiva e olha no que deu. A mulher engravidou e perdeu. Me pediram um exame que apresentou isso aqui. ( esfregava o resultado de um espermograma entre as mãos).
-Tá vendo, doutor, como eu tô prejudicado com aquela operação? Vai que ela engravida de novo e eu tenho um filho anormal, com defeito!!!
Aquelas palavras ressoavam nas paredes claras do consultório. Tremia, aquele corpo avantajado, que chegava até a espumar de tanta ansiedade.
-E se, de repente, ele, olhando para o seu pinto ( o próprio, não o seu, leitor amigo) não levanta mais? Prefiro morrer a fazer essa operação! – dizia a todo instante.
-Doutor, o senhor tem que dar um jeito. Agora ele nem encosta mais em mim!
-Eu não sei do que sou capaz – dizia a já chorosa mulher, sob o olhar surpreso do marido.
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O ambiente assumia ares de frenesi com um aglomerado de espermatozoides adultos se empurrando na porta do túnel. Formas jovens com ares de inveja, esperando criar umas asinhas, desculpem, criar uma caudinha e saírem fogosos e serelepes a penetrar óstios e terrenos mais férteis.
Só, literalmente só, ali meio arriado, farol baixo, aquele coitado, persistia descrente de qualquer possibilidade de gozo, de qualquer alegria.
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Seu dono bem que merecia uma dose cavalar de aditivos, eretivos pra recuperar o moral, ou, na pior hipótese, o tesão, embora sua companheira não fosse lá nenhuma Afrodite. Mas convenhamos que, nessas histórias de amor, ou de cabeças, tudo é uma cegueira só, vá lá.
O coitado do homem insistia em dizer que se a mulher engravidasse, seu filho nasceria aleijado, com defeitos, e, ali estava a prova ( algumas formas anormais detectadas no espermograma).
-Quiçá uma cabeça imensa, igual a minha pensava o espermatozoide lá embaixo. Se é que certas cabeças pensam.
O doutor já se contorcia na cadeira, procurando uma solução para o quadro de fertilidade e desajuste daquele casal. Orientações daqui, receita acolá e os dois foram embora meio taciturnos.
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De repente, aquele depressivo espécime foi empurrado em solavancos, em meio a líquidos imensuráveis. Mares nunca dantes navegados a banhar-lhe a cabeça, o corpo miúdo, a cauda adquirindo vida própria. Surfando em ondas magistrais seguia, ora eufórico, ora entorpecido. De súbito, uma luz imensa, ofuscante, um choque, e o mesmo se esborrachando na porcelana fria de um vaso sanitário qualquer. Agonizando lentamente após o episódio insólito de uma masturbação.
Diagnóstico definitivo de quadro depressivo grave com tendências suicidas de um jovem espermatozóide que se recusou a usar seu carbonato de lítio. Definitivamente não queria participar daquele ejaculado, muito menos vir a fecundar um precioso óvulo.
– Também! Com uma cabeça tão grande!
Wagner Bomfim.
in Linha Cruzada. Travassos Editora. 2018