Não queria mais voltar a escrever reminiscências, reflexões e evidências que ninguém vai ler, nem sequer ouvir depois: “eu disse”. A tensão, no entanto, se fez pressão num cenário de pouca racionalidade e muito medo, desfazendo minhas pretensões à abstinência de um pensamento político opinativo um pouquinho mais elaborado.
O candidato a presidiário, sem mais cartas para jogar, faz sua monocórdica ameaça e busca uma desculpa qualquer, um fiapo de justificativa para fazer o que sempre disse que ia fazer, mas nunca achou seriamente que fosse preciso. Afinal, sempre tem uma plateia no cercadinho “macunaímico” para aplaudir seus blefes e fingir que tudo é verdade, tudo é real, enquanto real mesmo é sua iminente, inevitável e indisfarçável queda.
Digitando-se a palavra “golpe” no Google, surgem várias imagens do vexame do dia, com o qual o nauseabundo coqueteia a mídia finalmente enfurecida com a insuficiência de liberalidade com o patrimônio alheio. Considerando-se que a representação de “alheio” nesse campo cultural que falo tem a ver com a ideia de público como algo de ninguém, portanto, passível de ser apropriado. Tornado privado, portanto. Pois é exatamente essa premissa que permite a indiferença social com o trabalho dos lobos. Voltando ao exame do significante-fantasma que nos assombra (pois espreita na sombra a chance de pular na nossa jugular), o dicionário Oxford traz: 1) cinco significados literais referentes ao impacto de um corpo sobre outro (choque, pancada, murro etc.); 2) dois sentidos figurados que tratam golpe como ação ou evento imprevisto negativo; e 3) dois sentidos figurados para nominar uma ação estratégica ardilosa, também negativa, como no expresso pelos substantivos: rombo, defalque, estratagema, manobra, etc.
O golpe de que fala nossa tontinha imprensa patrícia traz todos esses três sentidos. Os literais e figurados. Porque as pancadas têm impactado principalmente nossos corpos e psiques, não apenas a imaginação. O imaginário tem sido o menos afetado e segue ansioso, angustiado, desejoso que a cortina se feche, a luz acenda e os portões do teatro se abram para uma outra realidade em um multiverso qualquer. O pior golpe tem sido esse: estar preso num espetáculo-pesadelo que não cessa de repetir as mesmas piadas sem graça, o mesmo histrionismo, a mesmíssima canastrice sem-vergonha e travestida de ópera-bufa. Pancada, portanto, tem essa dupla face de sentido. É o baque, o tapa do palhaço no rosto incrédulo do inadvertido. É o non-sense com toda sua carga corrosiva e cínica. Incrivelmente cínica.
O golpe de que fala nossa baratinha imprensa, como eu dizia, é esse tapa diário. Tome mais um golpe. Outro golpe. E mais outro. E a gente vai dando a cara e assistindo, porque nesse multiverso são várias realidades em desenvolvimento. É você tomando e assistindo ao mesmo tempo. Dando tapa de volta no ar e recebendo rasteira, chute na bunda, em cenas recursivas de gozo sadomasoquista, única satisfação possível nesse teatro da libido sociopolítica do momento. Momento que se estende em direção ao clímax.
Será o golpe, o clímax em busca de um gozo represado há seis longos e difíceis anos?
Falo do gozo do povo, claro. Dos que estão embaixo. Dos pequenos. Dos que apenas possuem sua própria voz para escolher gritar sozinho ou em coro e testemunharam no vidroreflexo a imagem animada (de anime, desenho) da rouquidão, do sopro, do ar que esgota no minuto final. A Wald Disney virou império porque disfarçou de fantasia animal os mais angustiantes sentimentos humanos: raiva, inveja, usúria, paixão.
Acredito que Bolsonaro insiste na carochinha das urnas porque é apenas o que ele tem. É um homem de um golpe só: a mentira. Qualquer uma serve para ele. Seja galinha, seja ema, tudo é simulacro. A expectativa dele é que o de sempre aconteça. Ele seja perdoado e mandado para casa com uma promoção que não fez nada niente para merecer, exceto arriscar tudo, tudo. Seu e dos outros. Mais dos outros do que seu. A bomba é discurso porque não existe plano (dele). E quem planejou antes agora tem várias bombas para desarmar no seu quintal. Vocês acham que o grande irmão vai privilegiar o que? Seu quintal ou o terreno baldio que ele usa para descarregar seu lixo?
Para nossa sorte, titio Sam está muito ocupado com as pancadas que resultaram da sua própria estupidez. Esse é o momento em que nós, bárbaros, tanto esperávamos. A história se fez tragédia, depois farsa e agora chegou o tempo do recomeço. Das lições aprendidas na humildade da maturidade.
Então, treine seu grito de guerra porque agora é pra valer.
Thereza Cristina Coelho
PhD em Saúde Coletiva (UK) e Lanús (Arg)
Professora Titular da UEFS
Membro da Academia de Medicina de Feira de Santana- cadeira 07.