Às vésperas da final da Copa do Mundo de futebol da FIFA a imprensa brasileira estampou em suas chamadas televisivas dos monótonos programas esportivos, onde se discute o óbvio, uma matéria e imagens onde torcedores argentinos proferiam cânticos racistas contra a bela e negra seleção francesa.
A questão do racismo envolve torcidas de futebol de vários países do mundo, europeus, torcidas sul-americanas bem como também acontece aqui no Brasil, envolvendo torcedores de vários clubes e jogadores que ostensivamente já veicularam em certas oportunidades expressões e gestuais discriminatórios contra outros colegas de profissão bem como contra torcedores negros.
Além da repulsa que todos deveríamos ter para com essa conduta execrável é oportuno citar que o racismo não tem fronteiras geográficas, embora traga em seu âmago uma, diria , regionalidade e fundamentos sócio-antropológicos.
Assim como ocorreu no Brasil com a chegada de imigrantes brancos no fim do século XIX e início do século passado como alternativa para a carência de mão de obra escrava que obtivera a alforria/ libertação nas lavouras de açúcar e café, processo migratório similar ocorreu noutros países sul-americanos. Esses imigrantes viriam a ocupar as regiões subtropicais e tropicais de altitude, de terras escuras e férteis, similares às da Europa.
Essa distribuição geográfica populacional se estendeu até os países da Bacia do Plata (Uruguai, Argentina e Paraguai) com predominância de imigrantes italianos, germânicos e poloneses.
De lá da Europa trouxeram a capacidade de lidar com a terra, mas, trouxeram também costumes e culturas xenofóbicas e racistas, entranhadas, sobretudo entre italianos e alemães, bases do nazifascismo do século XX.
O ingresso de negros africanos na Argentina ocorreu de forma acentuada em séculos passados, fugidos de guerras no continente africano, oportunidade em que estes imigrantes se misturaram à população originária. Pouco a pouco, devido à exposição desses povos a surtos de doenças transmissíveis bem como porquanto foram usados como escudos, como buchas de canhão nas guerras que se sucederam naquele país no decorrer do século XIX sua população foi paulatinamente reduzida.
Gradativamente, após esse período houve um estímulo do governo argentino à vinda de brancos da Europa para, literalmente, “europeizar”,” limpar” a raça portenha, numa eugenia racial, a despeito da inevitável mistura de raças ocorrida e que produziria muitos anos depois, nada mais, nada menos que Diego Armando Maradona, o El Pibe.
Assim, verificamos que há uma centralização dessas correntes migratórias para o Sudeste e sul do Brasil, assim como para os países da Bacia do Plata, que incorporaram os mesmos conceitos ideológicos e práticas oriundas da velha Europa xenófoba e racista. Não àtoa, todo esse cone sul, do Espírito Santo até a Argentina tem sido um território fértil para o desenvolvimento de centenas a milhares de células nazifascistas estabelecendo entre outras coisas a cor da pele como elemento de suposta superioridade racial.
O racismo estrutural, chaga milenar, se revela diuturnamente em todos os espaços sociais, entranhado com a condição sócio econômica dos agentes nele envolvidos, bem como no modo de produção e divisão do trabalho, dizia um velho barbudo há mais de cem anos.
A despeito da fala do jornalista esportivo, citado no início do artigo, o diretor geral de jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel, já disse noutra oportunidade que não existe racismo no Brasil (sic).
Pelo visto só o telhado dos outros é de vidro!
1- CORREA, M.1998 Ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil.
2- FERNANDES, F. 1978 A integracão do negro na sociedade de classes.
3-FRIGERIO, A. 2000, Cultura Negra en el Cono Sur.
4FOUCALT, M 1996 Genealogia del racismo.
Wagner Bomfim
19/12/2022