A festa da Mudança do Garcia em plena segunda feira de carnaval sempre foi um palco de expressão popular, com suas reivindicações expostas em cartazes, em faixas, marchinhas escrachadas e desbundes vários , formas de denunciar, de protestar, em meio a alegria momesca, que reverberava de maneira ácida na imprensa oficial e nos governos carlistas assentados no poder ao longo de quarenta anos.
A primeira festa da Mudança do Garcia após a chegada ao poder pela centro-esquerda na Bahia em 2008, contudo, foi marcada por um contexto diferente. Já não se via o grito dos excluídos, a crítica dos sindicalistas, dos bancários, ferroviários, sindicatos da saúde e educação, dentre tantos.
Entre um gole de cerveja e uma garfada na deliciosa feijoada de Beré, em pleno meio dia do verão escaldante de Salvador, eu me perguntava o porquê da mudança dentro da Mudança do Garcia.
Fui analisar o que foi o Governo de Getúlio Vargas e sua relação com os sindicatos. Naquela época, conta a história, começava a usurpação desses movimentos reivindicatórios com a eleição de dirigentes que controlavam com mão de ferro todas as demandas sindicais, enfraquecendo portanto a luta por melhorias das condições de trabalho e de vida do trabalhador. A legislação que instituía a participação do trabalhador com sua contribuição mensal ou anual, em muitos casos manteve, por décadas, dirigentes em postos de comando a serviço do patronato e em desfavor do trabalhador, sobretudo aqueles com carteira profissional assinada.
Em período recente as forças populares elegeram um governo de centro esquerda, tanto a nível central como na Bahia. Paulatinamente vimos o ingresso de líderes sindicais e de movimentos populares na gestão pública, líderes esses que oxigenavam a luta popular por melhores condições de vida e de trabalho, por remunerações dignas, sobretudo num serviço público sucateado e aparelhado e que servia aos interesses privatistas.
Aos poucos, verificou-se a assunção dos combativos líderes de movimentos populares, antes aguerridos, serem tomados por um pragmatismo estranho, amordaçados enquanto expressão pública e totalmente acomodados a uma praxe burocrática, cada vez mais distantes da necessária luta transformadora do trabalho e de seus atores. Havia nascido o antipeleguismo, condição imposta pelos donos do poder tanto a nível central bem como no nível local, portanto sendo elemento de enfraquecimento da luta popular diária. A expressão acima, antipeleguismo, certa feita gerou espanto num amigo sindicalista, mas, creio que o mesmo tenha assimilado o contraponto assim como a compreensão histórica do processo.
Os antigos líderes, reconhecidos em vários sindicatos e associações se tornaram apenas intermediários para as ante-salas do poder, sem a capacidade catalisadora e decisória antes outorgada a eles pelas categorias de trabalhadores. As arenas decisórias, no caso as assembleias legislativas e o congresso nacional navegaram em mares tranquilos sem maiores impasses e os governos pouco atenderam às reivindicações classistas.
Duas décadas após, assistimos a um quadro dantesco, com o movimento popular, as associações comunitárias de bairros, os sindicatos, em mãos da extrema direita, sem novas adesões e surgimento de novas lideranças, num completo abandono e sem a politização necessária, servindo muito mais como trampolim para proxenetas atingirem seus interesses espúrios possibilitando a sedimentação do fascismo no país.
É oportuno que todos, movimento sindical, ONGs, associações comunitárias e outras representações de classe tenham a clareza desse momento histórico. De que a transformação social não se faz e tão somente acontece com a mera ocupação de cargos dentro do poder executivo. Esse que foi e tem sido o erro crasso que os governos de centro esquerda cometeram e que permitiram que um novo golpe de estado ocorresse por conta de uma desmobilização popular, no caso o golpe de estado de 2016 contra Dilma Rousseff.
A ocupação de lideranças em todos os conselhos ( locais, municipais e estaduais ) das diversas abrangências da sociedade como saúde, educação, assistência social e órgãos de classe tem o peso que nenhuma vaidade pessoal ou estreiteza política imagina.
Caso contrário, basta apenas saborear um Baron de Rothschild 1954 ou um verdadeiro Bourbon, olhando os esquálidos trabalhadores entre as cortinas das janelas dos gabinetes do poder.
Wagner Bomfim
27/12/2022.
Leve, fluido e provocador! 👏🏽👏🏽👏🏽