A Madona e a Notícia

Os professores de jornalismo por certo ensinam desde cedo aos seus alunos algumas regras que irão permear a qualidade do futuro profissional de comunicação. 

Uma delas é a noção precisa de que a notícia é sempre maior que o jornalista, embora no presente tenhamos opinadores chancelados  por linhas editoriais da maioria das mídias, quer sejam oficiais, quer sejam da mídia alternativas, que se comportam muito mais como pontas de lanças de interesses nefastos e ou escusos indo além da opinião e da ética. 

Mas essa semana um fato, uma reportagem e uma foto se destacaram e ocupou a imprensa internacional. A repórter de TV do canal Globo News pisava em plena amazônia para, tardiamente, registrar as condições sub-humanas em que vivem os povos originários, no território Ianomâmi.

1.

Em dado momento o fotógrafo deslocou a sua lente para a expressão contida em sua face. Ali, já não era apenas a ação de uma correspondente jornalística experiente, preocupada em não confundir sua condição de cidadã  com a informação isenta. Não buscava a promoção rasteira de um público para angariar likes em mídia social. 

Como uma escultura viva de uma Madona sobre uma terra arrasada, ela, a repórter, levemente curvada, músculos retesados a envolver uma criança de colo, frágil, desnutrida. Quero crer na instantaneidade da foto, na sensibilidade do seu autor, sem a intenção de confundi-la com a notícia ou mesmo de supera-la.

Mas além de uma cidadã ali estava também uma mãe, que não tinha como não se compadecer diante do horror a que  aquele povo estava submetido. É bem verdade que esse crime já foi denunciado há muito tempo. Desde os anos em que os antropólogos, os irmãos Vilas Boas, adentraram aquele longínquo território amazônico e lá conviveram com seus costumes e sua relação com a terra, que eles já identificavam o avanço predatório de grileiros e madeireiros e denunciaram inúmeras vezes os crimes contra a floresta e seus verdadeiros donos na imprensa oficial da época.

Constatamos mais um crime do governo anterior em suas documentadas negativas de socorrer os povos originários. O mundo clama por soluções imediatas, além de pronunciamentos oficiais de gabinetes, sejam em Brasilia ou por outros líderes mundiais. 

O conflito entre o capitalismo predatório e financeiro que nos aflige, que excluem povos e comunidades e a sustentabilidade econômica não pode passar ao largo da sustentabilidade social e ambiental dos verdadeiros donos da terra. No caso, a preservação total de toda a Amazônia é uma decisão política inadiável. A repórter expressava no rosto contrito todo o sofrimento vivido há décadas pelos povos originários Ianomâmi, incorporava esse conflito num olhar quase mortiço.

Nenhum princípio jornalístico, creio, tenha sido quebrado naquele momento, nem seu código de ética jornalística.

As imagens dos ianomâmis em quadros avançados de desnutrição e com doenças infecciosas, que foram denunciadas amplamente ao longo da semana pelo mundo afora, se equivalem a tantas outras cenas e barbáries perpetradas pela insanidade humana, pela ganância e poder ao longo dos séculos. Mas a estupidez da elite predatória nacional permanece cuspindo em nossas faces a custo de morte de um bioma imensurável e de seu povo.

É preciso um abraço à terra Ianomâmi tão fecundo quanto o que vimos expressar a mulher e mãe, além da jornalista, ao acolher a criança ianomâmi. 

Impossível para mim, nesse momento, não me emocionar e fazer parte da notícia!

Wagner Bonfim

31/01/2023

P.S. 1- Sônia Bridi ( GloboNews)

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Davi
Davi
2 anos atrás

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Franklin Passos
Franklin Passos
2 anos atrás

👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽

NeciMatos Soares
NeciMatos Soares
2 anos atrás

Emoção traduzida na sensibilidade do abraço, em um momento de tantas atrocidades.
👏👏👏👏👏👏

Paulo Almeida
Paulo Almeida
2 anos atrás

Excelente. Cada dia melhor.

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Comentários

  1. Franklin Passos em Análise
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