A cadeira antiga de madeira de lei rangia sob aquele corpo cansado. No interior daquelas memórias que assomavam a mente, os coturnos estalavam pelas calçadas, na madrugada fria de um primeiro de abril de 1964.
Invadiram todos os sinais, instalaram uma mancha de sangue em todas as praças, luzes mortiças sob postes de onde se espreitavam pessoas e ideais, qual olhares de rapina para um derradeiro golpe.
Lágrimas escorriam nas faces perplexas por longos e assustados anos da juventude.
Eu, contudo, “não vi nada disso, estava em Miami.”
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O corpo teimava em doer, por vezes pela falta de atividade física, outras pelo excesso dela, na tentativa de resgatar tantos anos vividos, às vezes desregrados, tantas vezes insones. Busca compensar, na escrita incerta, as emoções que espoucam qual milho sob o calor do fogo e…
O gás lacrimogêneo ardia nas entranhas do peito, à frente, o latir insistente dos cães e, ao lado, marchavam combatentes de outra arena, de nomes épicos, como Ulisses, Rômulo e outros tantos que aqueles olhos lacrimejados não deixavam claramente perceber.

Eu, contudo, “não vi nada disso, estava em Miami”.
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A degeneração corpórea assombra o espelho que nega o veredito ansiado. O trabalho incessante é cada vez mais intenso, afastando a preguiça e a indolência tantas vezes decantada país afora. Faltam materiais básicos, acesso a tudo o quanto é necessário na saúde e…
O coração de estudante palpitava, e as eleições pleiteadas, depois negadas e por fim negociadas em bases antipopulares, venceram décadas de medo. Porém, séculos de atraso e desmandos persistiram na troca cínica de favores e corrupção. Eleições compradas, congressos de picaretas, sindicatos de antipelegos, fraudes em licitações, tudo na mesa da desfaçatez herdada de tantos séculos de impunidade e violência, ao gosto de canalhas da democracia nacional.
Eu, contudo, “não vi nada disso, estava em Miami.”
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O salário não dá, os juros a tudo toma. É tudo deles e nada é nosso. Quer correr por entre árvores, por entre canteiros de flores. Seivas derramadas, flores não há. Foram colhidas no jardim da juventude a despeito do coração de estudante insistir em cantar.
Mudaram de camisa, medraram o canto. Desfilam hoje engravatados por entre as páginas da política, da economia e da polícia, esta, cada vez mais temida pelo povo. Povo, cada vez mais, massacrado pela ausência do estado de direito.
Eu, contudo, “não vi nada disso, estava em Miami”.
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O rangido da cadeira fere o silêncio que esses novos combatentes impõem, amordaçando todos com suas falas mansas e dissimuladas. Assiste-se ao desenrolar dos fatos dispersos no caldeirão do atraso social por onde transita o povo, ainda esmiuçando o lixo, cavoucando a esperança, deleitando-se com o luxo da televisão. A memória cada vez mais pregressa, o rangido das molas na cadeira de madeira de lei, cada vez mais presente, tudo se embotando, desbotando-se no branco do… Eu, contudo, “não vi nada disso, estava em Miami”.
Wagner Bomfim
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Em 2016, no dia seguinte ao impeachment, acordamos nesse fatídico dia tão bem narrado de 1964. A desmilitarização da política no Brasil é algo que precisa acontecer pra ontem. Dino tem um árduo trabalho e precisa mobilizar todos os grupos e qualquer apoio em favor disso é imprescindível.
Na tentativa do 08 de janeiro entrará pra história, “eu estava em orlando”.
Não há outro remédio senão lutar contra o arbítrio
Retrato e testemunho escrito que dita a triste e dura sorte do brasileiro. Quam diu ignavos?
“Ódio e nojo da ditadura!”
Eles estão a espreita. Só o combate das ideias pode vencer o obscurantismo!
Ágora mudou as formas da construção da mesma perversidade, da opressão. A poderosa arma das redes na Internet levou e leva os alienados, produzidos pelo Sistema. a elegerem os seus próprios torturadores- vide a maioria dos membros do atual Congresso Brasileiro.
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