O Narciso que te devora

O Narciso que te devora!

 

Esta é uma notícia fresca, que soube por uns amigos lá de Santo Estevão, bem no miolo do Ado, (explicações à parte) de que Toinho de Bila se converteu para o neopentecostalismo. Os amigos, que costumavam tomar umas e outras com ele, ali na Cabeça da Vaca, literalmente estavam órfãos, sem o seu líder, sem o seu mentor de esbórnia. Estavam, diria, até meio “deprês”, mas, entre cristãos e budistas, a impermanência existe, e portanto, o jeito era se acostumar com essa nova realidade.

Estavam nessa discussão de mesa de boteco quando, eis que de repente adentra pela porta aquela figura, magra, toda de paletó e gravata, com uma Bíblia Sagrada dos cristãos embaixo do braço e já proferindo um discurso para aqueles homens que estavam sentados junto ao balcão, os cristãos ribeirinhos. Começou a falar  em profusão sobre a vaidade, esse pecado capital, justamente em pleno dia da Paixão de Cristo.

A turma já tinha tomado, desculpem, já havia bebido uma branquinha, com direito a ofertar aquela pequena porção para o santo e já rebatia com uma loira gelada, para desespero do novo Toinho de Bila, que jurava profunda repugnância a esses pecados. Mas, líder é líder, mesmo que aparentasse outra imagem estética, mesmo com gostos estranhos como as novas sobrancelhas, afinadas, e um makeup sob um terno preto novo. E logo se saiu com um discurso evangélico falando;

– A vaidade é coisa do demônio! É o maior dos pecados!É a origem de todos os outros pecados e moléstias que acometem os homens em sua trajetória na terra! Com ele o homem não encontra o paraíso.! Sua busca por um mundo de felicidade sem a verdade divina será cercada de sofrimentos e o levará ao fogo do inferno!

– Viver nesse mundo dominado pelas tentações da vida mundana, de prazeres efêmeros, são para os emissários do demônio que se comprazem com todas essas ofertas de consumo da vida moderna que só os leva ao sofrimento!

A turma estava muito mais para pedir uma nova rodada de “cerva” e Toinho de Bila continuava com sua cruzada num evangelismo vão para aqueles antigos parceiros de farra. Desta feita direcionava sua fala contra os hipócritas fariseus da política.

– Esses falsos profetas, que usam os pobres ingênuos dos grupos de “zap”com muitas mentiras, tem a língua do demônio sibilando nos ouvidos, eles falam em seus guetos de fariseus desse capitalismo selvagem, só querem usar a boa-fé dos crédulos para se promover! São lobos travestidos de cordeiros, são homens vaidosos que expressam suas inseguranças, suas soberbas, para apenas atingir seus fins, sua libidinagem enrustida!

– O Senhor, sabe que não é fácil a provação, sabe da nossa imperfeição, mas aqui e agora, quero falar além das injustiças, da pobreza, onde uns têm pouco e outros têm menos ainda nesse país.  Quero falar para vocês que temos a salvação, a palavra verdadeira. E a vaidade, a soberba desses Narcisos não é o caminho da verdade. A vaidade vai consumir as entranhas desses Narcisos demoníacos. Esses engalanados de gabinetes que falam a língua da mentira, são os emissários da discórdia.

Beto Esparro, assim era conhecido, estava sentado num tamborete, ouvia meio que enfastiado. Ele, que era o mais letrado daquele grupo, que tinha um pouco mais de conhecimento, sabia que vivia num regime em que 1% da população impunha um regime escravista sobre o povo, disfarçado de democracia, mas, naquele momento, só queria era beber umas e outras. Esse discurso de Toinho de Bila, recém ingresso na igreja, conflitava com sua postura “revolucionária” de “militante político”. Beto Esparro entendia que era oportuno modular o seu discurso em um cálculo preciso, pessoal, e  aqui pra nós, contra revolucionário, de assumir a qualquer custo, sequioso que estava, por um cargo e benesse junto ao governo de plantão. Beto Esparro não conseguia ficar no anonimato, fazia parte do seu DNA e, ao longo do tempo, seu comportamento camaleônico de militante, como assim se vendia, transitava em partidos políticos, órgãos de classe, sindicatos, ONGs e outros penduricalhos onde tentava se mostrar quase sempre como esperto, e de tudo fazia para se colocar como um líder, um cientista político “salvador da pátria”. Isso era notado pelos amigos e Toinho de Bila, agora da Igreja do Ministério da Tirana Divina, conflitava com seus interesses.

Num rompante, Beto Esparro pediu uma dose da “marvada” para Toinho de Bila que entre espasmos de sede, espumando pelos cantos da boca, pediu-lhe para afastar-se de mais esse pecado, que ele pagasse o dízimo de 250 reais que estava devendo para sua igreja. Que Beto Esparro estava se descaminhando com a vaidade, a soberba e a falsidade. Dizem que até cheiro de enxofre se percebia no ar naquela hora.
O amigo e apóstolo Paulo, sorrindo ao lado, lhe disse que ele, Beto Esparro, já estava salvo, mesmo sem o manto da lei ao tempo em que disse;

– Deixa disso Toinho e, olhando para o balcão pediu;

-“Bota a saideira”!

Foram as últimas palavras que Toinho de Bila ouviu antes de descer apressado os degraus do boteco. Dizem ter ido pregar sua palavra lá pelas bandas de Paiaiá.
Beto Esparro, com um ar meio maquiavélico mirando o espelho ao lado,  sorria e já se imaginava no posto de Ministro da  Igreja do Ministério da Tirana Divina, sede do poder de Toinho de Bila , la num tabuleiro da Cabeça daVaca em Santo Estevão.

—-Ô vaidade miserável!

 

Wagner Bomfim

07/04/2023

Obs: Qualquer semelhança com fatos ou pessoas terá sido mera coincidência!

 

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Lorena
Lorena
2 anos atrás

Adorei os personagens, sobretudo os seus nomes, excelente e divertido conto.

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Comentários

  1. Profa Me Cintia Portugal em Sempre
  2. Marirone em Sempre
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