Gauss e as curvas da vida
Sei que não deveria começar esse texto dominical fazendo uma pergunta, mas, para contrariar a metodologia científica assim o faço nesse domingo de Páscoa dos Cristãos, daqueles e para aqueles homens que de fato professam esse credo, imersos em seus dogmas e revelações.
O que leva um homem da ciência ou totalmente iletrado a se afastar ou mesmo se aproximar de um ou de vários deuses? Quais são os elementos culturais, filosóficos, sociais , determinantes para comungar com um Deus ou com vários deuses?
Desde cedo, ainda nas fases iniciais do desenvolvimento humano, temos as figuras da mãe e do pai como referências compensatórias de prazer, de segurança e de dor. São os elementos que nos introduzem na vida e nos referenciam.
A partir do momento em que dominamos a fala, que paulatinamente crescemos fisicamente e o intelecto se aprimora, nos apercebemos que a civilização, o mundo ao redor, impõe regras de convivência que delimitam a expressão dos nossos desejos mais conscientes e mais profundos, aprendemos por fim o significado da palavra não.
Os valores presentes em uma determinada família ou grupo social terão o condão de influir nas escolhas que os homens poderão fazer em relação a um credo, por exemplo, incorporando os costumes e práticas religiosas. Se analisarmos ou se quisermos nos basear nas teorias freudianas sobre a relação existente entre o homem e o pai primitivo, sua expressão totêmico se enquadra perfeitamente nos preceitos das religiões dogmáticas do Deus de Abraão e pode simbolicamente nos trazer uma luz sob os meandros da alma, do nosso psiquismo.
No início são os valores herdados do grupo e a cega obediência a um Deus supremo, imposta pela família e por conseguinte pelo meio social que definirá o nível ou grau de credo, sua fé a um Deus ou totem. Posteriormente com as inevitáveis vicissitudes da vida, ou simbolicamente com as curvas e voltas que a vida dá, ocorrem mudanças nesse apelo a um pai supremo, determinista, infalível, muitas vezes castrador e punitivo.
O jovem, geralmente, que provavelmente tem um mundo à sua frente, não prima pela consciência de sua finitude de forma tão explícita como se apercebe o homem mais idoso. Sua relação com o mundo é pautada mais frequentemente nas possibilidades de satisfação dos seus desejos primários de vida, na libido, na concretização de planos e projetos. A identidade a um Deus ou religião está intrinsecamente vinculada ao poder de influência do grupo social, ou família a que esse indivíduo está vinculado.
O homem de idade mais avançada internaliza a sua finitude próxima, a sua insignificância diante do todo, a morte certa, inevitável. Suas raízes, seus costumes pregressos, poderão explicar sua visão de mundo frente à religião, ao apego a uma religião monoteísta ou politeístas ou mesmo à absolutamente nada.
Toda essa fala até então para chegar, introduzir a visão de mundo de Gauss, matemático alemão que nos brindou com inúmeros trabalhos e aqui destacaria com uma equação, a chamada Curva de Gauss, referência para todo o mundo científico, colocando-a, vinculando-a ao nosso ciclo de vida física, mas, que pode servir também como signo da vida espiritual abordado nesse texto. Ele considerava que quanto mais ciência existisse, mais o homem se aproximaria de Deus. Fica para análise, contudo, que a História, grande ciência, nos mostra que o período do Obscurantismo da Idade Média, a despeito da predominância das visões monoteísta cristãs e muçulmanas no mundo ocidental e oriental respectivamente se impunham contraditoriamente à frente das ciências. Após sua derrocada, o período das trevas, seguiu-se o florescer das ciências modernas como um todo sem que houvesse um incremento da religião. Hoje, com o capitalismo selvagem, vive-se a destruição de todos os valores de civilidade acumulados ao longo dos séculos, onde a supremacia do consumo, sob a égide do Deus Mercado, transforma-se num totem ( num pai primitivo ) determinando um modo de vida contrários aos princípios religiosos de qualquer matiz e representam de forma perversa o antagonismo do nosso tempo.
Onde colocar esses dogmas inerentes às religiões dentro dessa curva de Gauss, da nossa finitude, do conhecimento científico , de crenças e descrenças num mundo virtual, tecnológico, instantâneo? Onde inserir todos os seus valores , religiosos, perante as contradições sociais e filosóficas em que vivemos?
Os totens e os tabus, a despeito da oposição de muitos às teorias freudianas aí estão, vinculadas aos questionamentos sobre o sentido da vida terrena e o que é propalado como fé pelas religiões monoteístas.
Assim, término aqui o artigo hebdomadário (semanal – rrrss) também com uma pergunta que nos coloque a refletir sobre o nascer, o crescer e morrer tal qual acontece na Curva de Gauss.
Onde está o Deus, de Abraão, o Deus para Sigmund Freud, o Deus de Gauss ou mesmo o Deus de Espinoza?
Wagner Bomfim
08/04/2023
(Domingo de Páscoa)
Quem sabe, algum dia, o homem se cansará do mundo virtual (externo) e se voltará para si mesmo, sua essência, sua centelha divina. Ciência e religião se encontrarão. Resta esperar.
Quiçá!