O estupro nosso de cada dia!
O futebol é o esporte mais popular do mundo a ponto de refletir em seu entorno um modo de vida peculiar e, especialmente no Brasil, ele se destaca como parte de uma engrenagem que hoje é capaz de movimentar bilhões de reais numa economia do futebol cada vez mais inflacionária. Esse esporte é capaz de ditar comportamentos não só dos atores diretamente envolvidos, no caso os jogadores, técnicos de futebol dos clubes, mas também de todas as empresas que com eles se relacionam e se beneficiam.
Falar de jogadores e atletas que dançam conforme a música das compras e vendas dos seus “direitos” outorgada pela Lei Pelé, a enriquecer uma pequena minoria de empresários de jogadores, que os alicia desde a sua formação nas escolinhas de futebol em conluio com diretores dos clubes profissionais, seria aí, sim, lugar-comum.
O tema de hoje, retratado no título acima, vai além de uma expressão jocosa, mas vamos “botar para f* “e chutar o pau da barraca, pois o assunto do dia é o crime de estupro no meio futebolístico e noutras searas.
822 mil casos de estupro no Brasil
(1 a cada 10 minutos).
É sabido que o ambiente do futebol é um espaço propício para os abusos sexuais que acontecem desde a formação dos atletas nas escolinhas de futebol, onde os pedófilos se locupletam ao lidar com a inocência e sonhos de fortuna e estrelato de muitos adolescentes. Os poucos adolescentes que conseguem se tornar famosos, trazem para o seu dia a dia o reflexo de suas formações educacionais e éticas, sendo que alguns acabam por expressar comportamentos execráveis por envolvimento em toda sorte de ilícitos e desvios de conduta trazidos desde o berço.
As recentes condutas criminosas de atletas famosos, no caso dos brasileiros Robinho e Daniel Alves, pra não falar de estrangeiros, são apenas casos isolados desse empoderamento pautado na acumulação de dinheiro, manifesto em diversas áreas de atuação, expressando suas formações machistas e patriarcais desprezíveis contra as mulheres.
O Sport Clube Corinthians Paulista, clube que bem representou a resistência democrática, ver as ações dos jogadores Casagrande e Sócrates, aos anos de arbítrio da ditadura militar, deixou esta semana cair a máscara de um clube democrático, imagem que foi construída a duras penas.
No momento, um caso sempre atual, voltou à tona com a contratação de Cuca como técnico corintiano. Ele, que em passagem pela Europa quando ainda era jogador, participou do estupro de uma menor de idade, então com 13 anos, e em recente entrevista diz não se lembrar de nada do episódio, que se lembrava apenas das camas de casal existente num quarto em L de um hotel onde estava a delegação do Grêmio de Porto Alegre. Em um país árabe, por certo jogariam sapatos sobre seu corpo, tamanho o asco com que se encara tal mentira e desfaçatez desse senhor barbado, que diz ainda ser incapaz desse crime porque tem também mulher e filhos. Insiste em dizer que não se lembra do crime do qual participou (o laudo pericial mostrou a presença de sêmen no corpo da menina) mas ironicamente se lembra do cenário do “abate” de uma inocente que procurava apenas um autógrafo numa camisa de futebol.
Esse comportamento odioso baseia-se, reitero, no empoderamento que os contratos milionários propiciam a muitos atletas que se veem na condição de superpoderosos a exercer seus valores machistas, misóginos e preconceituosos para com as mulheres no seu dia a dia glamouroso, cercado de celebridades fugazes ou interessadas em, de fato, ganhar notoriedade.
Esse caso de Cuca, quando jogador, é tão igual ao do jogador Robinho e de Daniel Alves, ex jogadores da seleção brasileira, todos, no pedestal da fama. Eles são apenas um dos números isolados escondidos nos 61% de estupros que ocorrem com menores de 13 anos no Brasil, sendo que desses estupros, 85% são mulheres e 70% são crianças e vulneráveis. Esse assédio sexual é de tal monta e crescente que atingiu só em 2022 a ordem de 46,7% de todos os casos de assédio no Brasil (1).
O cenário identificado no mapa abaixo coloca certos estados da federação como campeões de estupro, tais como Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Rondônia. Todos esses estados tem uma formação conservadora dos costumes, onde sobretudo a mulher tem sido vítima dessa prática nefasta.
Os atletas citados, uma vez confrontados com as verdades de seus crimes, acabam obviamente se contradizendo e geralmente buscam produzir uma narrativa de que a vítima é sempre a culpada, que fazem parte das pejorativamente chamadas de “Marias Chuteira” e a elas não se deve qualquer tipo de respeito ou limite.
Em passado recente, assistimos cenas de supostas agressões do jogador Neymar a uma brasileira que foi hospedada por ele em um luxuoso hotel parisiense. Ao final, a imagem vendida pela grande mídia foi que o “menino Neymar” fora vítima de uma “armação” de uma interesseira (assim determinado pelos interessados no produto do futebol.
As nuances que envolvem o estupro são multifatoriais, sabemos, estão fundadas em um modelo de sociedade patriarcal e machista onde a mulher é sempre colocada como meramente um instrumento de prazer e pior que isso, como aquele ser onde o macho exerce seu pátrio poder e onde ele descarrega seus recalques.
São 822 mil casos de estupro contabilizados no Brasil em 2022 (1 a cada 06 minutos), muitos dos quais acabam desaguando em violência de toda natureza e de feminicídio, essa chaga que acontece a cada 6 horas no Brasil.
Esse cenário só tem piorado nos últimos anos (1046 em 2017 para 1422 em 2022) e inegavelmente está vinculado ao incremento de pautas conservadoras dos costumes nos últimos anos, onde a mulher é a vítima contumaz.
Os atletas citados nesse texto, diferente dos estupradores que passeiam pelas penitenciárias brasileiras, acham que seus espermatozoides são tão poderosos que até voam perseguindo as malvadas “Marias Chuteiras ”! Tudo sob a complacência da sociedade conservadora, do sistema policial e judicial, dos setores religiosos retrógrados que alimentam mais essa mazela ainda tão comum nesse país de terceiro mundo.
A ver os desdobramentos!
Wagner Bomfim
22/04/2023
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Excelente!!
O que realmente tem relevância é a atitude violenta, supremacista e irracional do agressor, a tranquilidade da impunidade e a grave carga de responsabilidade que resulta do ato cometido, que agride tanto o psicoemocional quanto a função sexual da vítima, configurando danos irreparáveis.
Século XXI e convivemos com essa chaga no mundo inteiro!
Muito bom Wagner.
Tenho acompanhado seus artigos. O Novo Normal precisa mesmo, ser questionado e combatido, parabéns pela dedicação ao tema!
Bravo!
Parabéns por trazer à baila esse tema tão sensível e infelizmente tão atual. Precisamos nos empenhar não só na denúncia mas exigirmos as punições imprescindíveis