“A Princesa do Sertão”
(Da burguesia rural a urbe quase cosmopolita)
Assim como o substantivo feminino urbe, empregado acima, a adjetivação utilizada por Rui Barbosa em sua passagem por Feira de Santana no século passado nominando-a de “Princesa do Sertão”, tornou-se mais que apropriada à cidade originada em decorrência da povoação consequente à expansão do comércio de gado ocorrida entre o século XVI a XIX no Brasil.
O desenvolvimento da pecuária, inicialmente distando de 80 milhas (128,75 km) das culturas de cana-de-açúcar e da cidade de São Salvador, foi aos poucos constituindo uma burguesia rural, detentora não apenas das terras e do gado bovino utilizados para tração nas atividades agrícolas, bem como ao fornecimento de couro e da carne para as populações das pequenas cidades, mas de um poder social e político que marcaram todo o período colonial e até fins do século passado.
A antiga “Estrada de boiadas” formataria o que hoje é a segunda maior cidade do estado da Bahia, rota inequívoca da expansão agropecuária. Esse cenário agropastoril de Feira de Santana viria a se diversificar para um perfil cada vez mais comercial a partir da década de 60 do século passado, com a formação do entroncamento rodoviário, que interligaria o nordeste ao sudeste e sul do país, além da criação de um pequeno polo industrial subsidiado pelos governos, atraindo mais e mais interesses para os novos habitantes da emergente metrópole.
Esse entroncamento rodoviário, ao atrair migrantes sequiosos de uma nova Canaã, muitos sem um compromisso com suas raizes, acabou por despersonalizar paulatinamente seus símbolos, signos e as marcas que a povoação, depois cidade, viria a construir ao longo de quase dois séculos.
Hoje, observa-se a progressiva degradação dos seus espaços e do seu solo, marcas da sua arquitetura gradualmente são substituídas pela terra nua dos estacionamentos de veículos e, os antes espaços dedicados à cultura e arte, são pouco a pouco esmagados por um comércio sem ordenação. Inúmeros exemplos poderiam ser citados, mas deixarei aqui apenas um, o desaparecimento progressivo do painel em azulejos do artista plástico Raimundo Oliveira, localizado na atual Estação Rodoviária construída em final dos anos 60 do século XX.
Salas de cinema e teatros foram desaparecendo junto as marcas dos cascos de bovinos que enchiam os antigos currais, dando lugar aos ditames de forasteiros descompromissados com sua história e com a transformação da antiga urbe rural em uma cidade cosmopolita. Isso se expressa ainda hoje pelo ranço político e cultural interioranos herdados dos antigos burgueses rurais, os coronéis, com posturas impeditivas de uma visão de futuro para uma cidade que é maior que certas capitais do país.
Santana dos Olhos D’água ou Feira de Santana deve ao seu povo autóctone e aos seus abraçados filhos, uma maior atenção aos graves problemas que enfrenta enquanto cidade grande, tais como educação e saúde de qualidades, uma segurança pública voltada ao cidadão e uma ocupação ordenada do seu solo, que “ ao estranho tu sempre dominas, com o poder do teu clima sagrado”. Passemos do parnasianismo/ romantismo para nos debruçarmos sobre o tempo presente e suas contradições e dessa forma fazer jus ao que a poetisa nominou há muitos anos como uma “terra formosa e bendita”!
Wagner Bonfim
29/07/2023.
P.S. Homenagem ao dia de Senhora Santana- Padroeira da cidade em 26/07.
Sou muito grata a essa cidade. Suas contradições e desafios são superáveis como o de qualquer outro lugar! Salve Feira de Santana! Parabéns!
Oh Feira de Santana, o retrato fiel da Bahia