Um tempo verbal

Um tempo verbal

Antônio Tonsila gabava-se de ter sido o melhor aluno da Escola Francisco Mangabeira, sabe-se lá por que e onde fica essa preciosidade.

Era uma figura falastrona, repetia sempre suas falas como se o ouvinte pouco escutasse e ele, assim, dominava a conversa por intermináveis minutos. Tudo isso acompanhado de um forte aperto em seu antebraço, comum a certas pessoas.

É sabido que costumava copiar os cadernos alheios para sempre tirar boas notas. Certo dia, numa aula de português, foi arguido em sala sobre os tempos verbais e ele engasgado ficou, pois não sabia o tempo gerúndio, para sua decepção e uma certa vingança coletiva dos colegas. Daí por diante Antônio Tonsila ficou encantado com aquele tempo verbal e o mundo… ah! o mundo, passou a vivenciar o gerundismo!

Tudo para Antônio Tonsila era no gerúndio, tipo; vou estar fazendo, vou continuar marchando, vou procurar mandando, vou seguir indo!

Tudo, tudo enfim para ele no gerúndio. Dizem que se casou e no dia e hora da solenidade o juiz classicamente ao lhe perguntar se aceitava casar com Matilde( olha o nome ) respondeu de pronto;

— “vou estar aceitando”! Isso gerou um cenho franzido de aborrecimento, mas, o juiz de paz entendeu e empurrou-lhe logo um grande e pesado livro para assinar e deu o gerúndio, digo, deu as costas e foi embora.

Não teve filhos pelo que sei e nem me pergunte por quê! Melhor ficar calado, não falar, nem no passado, muito menos no gerúndio.

Os sistemas de telemarketing, gabou-se, foram treinados por ele no auge da virada do milênio, na era de ouro da febre das privatizações de FHC. Talvez por isso se explique porque as ações nesse setor nunca terminam, deixando o cliente sempre no ar, sem solução. Ele dizia, cheio de palavras que escorriam pelos cantos da boca, ter perambulado mundo afora a distribuir conhecimento, assim repetia e repetia aos borbotões.

Dizia ser tão inteligente que até pela Faculdade de Comunicação perambulou, que os novos jornalistas deviam lhe agradecer pelos ensinamentos repassados dos tempos de aluno de português da Escola Francisco Mangabeira. O que se sabe e verdade é que os jornalistas e comunicadores desandaram a “gerundiar”empestando um jornalismo cada dia mais sepulto de qualidade no que se lê, ouve e vê.

Pois é. Ninguém suportava a “gerundiopatia”de Antônio Tonsila até que uma inusitada situação aconteceu no dia em que o mesmo foi hospitalizado para fazer uma cirurgia de hérnia. O médico, todo circunspecto, lhe alertou que ele não deveria falar após a cirurgia, para evitar formação de gases, etc., etc., etc. Logo, ao ouvir as recomendações Antônio Tonsila não se fez de rogado e retrucou;

– Isso está sendo um absurdo!

– Preciso estar exercendo meu direito de falar!

– Não vou aqui ficar mofando nesse hospital!

– Prefiro é ir sumindo daqui!

De pronto postou-se de pé junto ao leito e arredou do quarto com a roupa do hospital, mostrando um gerúndio em duas bandas marcadamente branquelas!

E foi, indo!

Um horror! Um horror!

 

Wagner Bomfim

15/08/2023

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Marirone Lima
Marirone Lima
2 anos atrás

Que crônica inteligente, amigo!

Wagner
Wagner
1 ano atrás
Responder para  Marirone Lima

Só espero não encontrar Antônio Tonsila por aí!😂😂😂😂

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Comentários

  1. Neci Soarea em Análise
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