Os Signos do Bomfim
Acordei pensando em signos e símbolos e na Festa do Bomfim e sua representatividade cultural ao longo dos anos.
Ao lerem essa crônica hebdomedária, conforme um amigo me fala (risos ), talvez alguém dirá que trato de saudosismos, do que foi a festa, da lavagem das escadarias da Igreja de Sr. do Bomfim.
Ver, sobretudo, mulheres e homens vestidos de branco, costume trazido dos muçulmanos africanos que foram traficados até aqui séculos atrás, a entoar cânticos sagrados, a perfumar o vestíbulo da igreja com água e pétalas de flores, para que cada devoto professasse sua fé não é saudosismo.
O costume da indumentária branca e todo esse simbolismo foram incorporados por escravos negros daqui, que ressignificando suas religiões de matriz africana num sincretismo com o catolicismo dominante da época se fez paulatinamente ver, ouvir e sentir.
A festa dedicada ao Sr. do Bomfim sempre marcou um dos pontos altos do ciclo de festas religiosas da Bahia. Estas, que começam desde início de dezembro, la na Igreja da Conceição da Praia, estende-se até a quarta-feira de cinzas com o ingresso da Quaresma católica.
Todos esses signos e símbolos de uma religiosidade que marcaram o pertencimento, a vida e a história desse caldo antropológico e sociológico que se chama Bahia e seu povo, da primeira capital do Brasil.
Aos poucos esses signos têm sido naufragados, em nome de uma transformação, de uma modernidade, de um novo consumo que abole toda sua simbologia histórica.
Se antes, dirigir-se até o Adro da Igreja do Bomfim, era o cultuar de um Deus, uma entidade, que lhes pavimentaria um caminho no além-vida, pós-morte, no presente tem sido tão somente uma prática comercial que envolve inúmeros setores consumidores e sobretudo o uso politicamente de apenas um objeto a mais, a festa profana, como elemento transformador, a coisificar a vida atual, uma nova matéria a ser consumida, enquanto grande negócio a vender-se e a iludir o povo de santo e os demais cristãos em simbologia nada religiosa, nada histórica.
Desde o Bomfim Light, num estrangeirismo estúpido, disruptivo, onde Go Go boys e Garotas de programas, misturados a uma classe média deslumbrada que aportam nas marinas da Baia de Todos os Santos ao som de um(a) oportunista canto (a) do momento, em cima de palcos, trios elétricos e bandas, tem seus novos símbolos e signos estampados em camisas customizadas, sem a cultura, sem as religiões, sem qualquer história. O que vemos é mais um elemento de segregação sócio econômica e cultural, apenas.
Na outra ponta da Baia vê-se um Bomfim Hard recebendo todo o excremento do preconceito e racismo estrutural da classe média que “cansa”, logo ao chegar nas “marinas da vida” elitizada por e que “não tem pique” para subir ladeiras, coisas tão comuns às negras e negros dos bairros populares.
Sobra, portanto, a fedentina no entorno da Igreja, entorno esse que não mais comunga com o sagrado, sua igreja de frente para o mar, nem com o profano no sopé da ladeira, que historicamente sempre existiu.
Hoje o sinônimo de festa do Bomfim é uma feijoada de um famoso “ quem”, regada a drogas lícitas que patrocinando o evento são o sobrenadante do consumo de todo tipo de droga ilícita dentro dos camarotes da elite.
Enquanto isso sobra a violência urbana nas quebradas do Bomfim, onde nem um finório é permitido, onde o conflito entre o incauto passante e o larápio de carteiras e smartphones, esse objeto que coisifica a vida, objeto que torna a vida tão igual, tão sem importância e apenas material, objeto de primeira grandeza, uma vida desimportante , isso sim é a tônica.
Os fatos e as fotos aprisionados nos smartphones tem duração mais que efêmera, que, como diz Bauman, são impermanentes, em tempos de self e hedonismos transitórios tornando-nos um objeto, uma matéria a ser consumida nos likes das mídias sociais.
Sobra, por outro lado, também e sobretudo, o desprezo das polícias e da guarda metropolitana, feitores pós-modernos a açoitar o povo pobre e preto, cuja ordem é não ocupar o espaço público, onde ocorre a vida concreta, mutável, mutante.
Signos, símbolos, objetos.
“ Há que se cuidar da vida”
Wagner Bomfim
11/01/2024 ( Ressignificado em véspera da Festa do Bomfim)
Triste verdade! Onde o capitalismo doente entra, faz de tudo e de todos uma mercadoria…
Quem tem Fé, faz o quê?
Você tem fé.
Sabe a ladeira no dia que quiser!
Pouco importa ser ontem, hoje ou amanhã
O coração lhe conduz!