Coisas que ninguém (mais)diz!

 

 

O som de um tabefe desferido na face de Aureliano reverberou na sala. Com o impacto ele balançou na cadeira e a chapoletada foi tamanha que na queda ele bateu o buzanfã no chão e lá ficou estatelado.

– O que é isso Cleuza? O que lhe fiz?

– Seu sacrista! Pensa que pode tratar uma mulher de família assim?

Aureliano, que recebera em verdade o nome de José do Egito como nome de batismo, mas, como era meio rechonchudo, lembrava aquele vice-presidente dos tempos da ditadura militar e, apelido posto é apelido composto, digo, ficou como seu estado, largado no chão.

Ele, há tempos vêm se assuntando ou, como dizia minha avó, se amostrando para Cleuza, uma mulata peituda, consumidora do ar que o rechonchudo respirava. Andava todo enfatiotado, em um terno de linho lavado com anil e devidamente engomado. Postava uma cabeleira escura e com brilhantina, diziam ser da marca Glostora. A cabeleira exposta sob o sol quente do verão baiano, precisamente de Cachoeira era sua marca pessoal.
Para umas sirigaitas da redondeza ele poderia ser considerado um pão, um tipão, digamos, era por assim dizer um bom partido, com emprego certo na coletoria de impostos como ele costumava chamar a repartição.

Ele, contudo, perdia as estribeiras toda vez que Cleuza passava em frente à repartição onde trabalhava, hora em que os colegas o aporrinhavam e até certas arrelias faziam do seu jeito balofo e zombavam do coitado naquelas horas.

– Tu não tens caminhão para tanta areia, Aureliano.

– Tu tens que chegar arretado, bem lanfranhudo para cima dessa mulata, que aí ela amansa!

– Vai te apresentar, resmungava ele.

Mas, voltando a cena, o que se via foi que ambos, coincidentemente, foram convidados para o convescote de fim de semana. Assim, ele achou uma oportunidade formidável para se aproximar de Cleuza.

O rechonchudo tinha como questão de honra conquistar a mulata e dar uma resposta aos cafonas da repartição, mas ali estava ele no chão com a mulata por sobre as ventas.

Cleuza naquele instante procurava a palavra mais apropriada com o ambiente pra se expressar e então disse;

– Seu desassuntado! Não lhe dei ousadias, ora bolas!

– Alvíssaras, minha deusa, isso acontecerá!

Aí o caldo entornou. Cleuza ensaiava um choro contido, meio falseta, para espanto dos convivas do convescote.

O rouge Coty começava a lhe borrar a face e os olhos adornados pelo lápis creon manchava-lhe o semblante.

Aquilo deixou Aureliano sadicamente excitado.

– Você é um sacripanta infame, seu José de não sei quantas!

– Cleuza, minha deusa. Quero que digas se aceita que… que… que…

Aureliano deu a tartamudear e me saiu com a pérola;

– Junte sua escova com a minha, junte sua cauçola beje com minha ceroula samba canção!

Ao ouvir isso, Cleuza, toda envergonhada, não suportou. Tudo o mais ela esperava menos aquela grosseria.

Levantou-se da cadeira, passando o lenço nos olhos e num devorteio saiu rebolando em direção à toilete.

Aureliano, sob olhares condenatórios de outras sirigaitas, ainda disse;

– Eita, mulata espilicuda e reboculosa difícil!

 

Wagner Bomfim

12/05/2024

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Franklin Passos
Franklin Passos
1 ano atrás

Que viagem saudosa! O jeito bom e gostoso de falar e ouvir coisas de um tempo que deixamos para trás, mas são eternas na lembrança. Parabéns pelo texto!

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  1. Franklin Passos em Análise
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