Antes mesmo do raiar do dia Rosália já estava de pé pois tinha que deixar o café da manhã pronto para o filho e sua mãe e correr para pegar uma condução superlotada que a levaria do Largo de Roma até o Terminal da França.

De lá, outro ônibus também lotado rumava até o bairro granfino da Graça onde ela trabalhava como empregada doméstica. Sem dispor de local para sentar nesses transportes públicos ela ficava espremida entre outros trabalhadores que iam e viam.
Negra de estatura mediana, tinha coxas e nádegas que dava torcicolo em brasileiro e, em certos dias do mês, Rosália se sentia ainda mais incomodada com o assédio masculino naqueles transportes públicos.

Estava ela certa tarde de sábado com uma amiga numa roda de pagode em Dendezeiros e queixou-se para Josete.

 — Olhe amiga, é um inferno esses ônibus. Após tomar banho e correr para o trabalho vem uns fedidos se esfregando na gente. E quando tô no meio do mês então, fico até com vergonha.

 — Oxe Rosália, é mesmo?

 — Pois é! Mas destá! Cansei disso! vou me armar contra esses “sacristas”! 

— Oxe mulher, cuidado com esse negócio de arma!

 Próximo a ela, Dercival, um negro alto, sargento do quartel de polícia em Dendezeiros, que tinha fama de garanhão, olhava Rosália no melhor estilo lobo mau ouvindo a conversa.

Passados alguns dias e sob a mesma rotina, Rosália esperou o transporte coletivo no mesmo ponto no Largo de Roma e para variar viu-se empurrada para o meio do ônibus que entre solavancos possibilitava que os assediadores se equilibrassem junto as suas carnes.

Em meio ao sofrimento e já transpirando, Rosália percebe que tem atrás de si o contato exatamente daquele sargento Dercival, que fingindo não a conhecer continua escorando seu corpanzil. Rosália tentou até dar-lhe um empurrão, mas não há espaço para movimentos maiores, mas encontrou o bastante para acessar sua bolsa e de lá sacar sua “arma” , uma seringa contendo um líquido quase cristalino que desferiu contra as partes baixas do homem atrás de si. Dercival sentiu o golpe de uma picada e levou as mãos a região genital e assustado ficou suando frio sem haver manifestação de terceiros. Enquanto isso Rosália se esgueirava entre os passageiros e foi se aproximando para a  saída dianteira da condução.

Passados alguns dias no mesmo pagode Josete conta as novidades. 

— Amiga não te conto, soube daquele sargento? Levou um golpe no ônibus e tá todo borocoxô. 

— Como assim?
– Dizem que uma mulher misteriosa deu uma injeção de alguma droga nas “coisa” dele, que ele tá perdendo a patente. Falava isso e levantava o antebraço.
– Foi num roteiro desse aí, até o Terminal da França. Dizem que ele tá “prejudicado”.

 Dizia isso e dava gargalhadas, o que foi acompanhada por Rosália, que se sentia empoderada.
A fama da misteriosa mulher que espetava genitálias correu por toda a cidade baixa e já se via certa mudança de comportamento nos ônibus lotados entre a península Itapagipana e o Terminal da França. Contudo, a potência do quartel dos Dendezeiros foi para as cucuias e era preciso dar uma resposta à sociedade.Assim sendo, alguns dias depois houve uma intervenção da polícia nos ônibus daquela linha,  obrigando todas as mulheres a mostrar seus pertences. Isso causou um engarrafamento monstro, pois, bolsa de mulher tem coisas inimagináveis e Rosália foi detida para as devidas averiguações. 

Encontraram em sua bolsa uma seringa e imediatamente enviaram o produto cristalino para o Laboratório Central. Lá após minuciosa análise bioquímica, cromatológica e estudos afins, constatou-se  tratar-se de um inofensivo Soro fisiológico a 0,9%. 

Rosália foi liberada por fim liberada, após uma reprimenda do Comandante do Quartel de Dendezeiros sem, contudo, tomarem providências contra os “fazedores de fio” da linha Uruguai Terminal da França. 

 O pior de tudo isso é que Rosália agora está sendo rejeitada pelos homens do pagode de Dendezeiros. Todos eles estão com  receio de terem suas “coisas” secas e sem patente, digo potência. 

 Wagner Bomfim 

25/08/2024