A história real.
Era uma tarde de terça-feira da semana que antecedia o Natal de 2022. Estávamos em Brasília para comemorarmos a passagem do ano e no dia seguinte testemunharmos, in locu, a posse do Presidente Luis Inácio Lula da Silva e do seu Vice-presidente, Geraldo Alckmin.
Havia um clima de tensão no ar após quatro longos anos desde que o proto fascismo havia se instalado e permeava a vida de todos os brasileiros.
Estávamos no Shopping Brasília, lugar que costumo chamar de “shopping do bundão”, dado a sua arquitetura estruturada em côncavos e convexos, e decidi tomar um café enquanto minha namorada saía a garimpar uma roupa para as festas.
Após tomar meu expresso, levantei-me e me dirigi ao caixa. À minha frente, um senhor magro e baixinho se insinuou à minha frente, falando com a balconista. Ele me olhou rapidamente e eu, com um breve sorriso, cedi-lhe o lugar, em respeito, para que ele fosse primeiramente atendido.
Saí logo depois e, em frente ao café, fiquei na angustiante espera da namorada. Notei, entretanto, que aquele senhor foi se aproximando, se aproximando e puxou conversa. A partir daí começamos a fazer uma “engenharia social” no conhecimento de homens, suas histórias e vidas distintas. O que se seguiu, relatarei na íntegra agora, aqui.
Chamava-se Evilásio (nome fictício), advogado aposentado nascido em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que migrou logo depois para Porto Alegre. Disse-me ter convivido com Getúlio Vargas quando passou a estudar direito na capital do país. Falava com um aparente orgulho que fora um bom orador, mas a asma sempre o perseguiu, limitando sua vida pessoal e profissional de criminalista. Era fácil constatar as limitações ao perceber a estrutura torácica típica de quem teve ou tem limitações respiratórias. A conversa seguia seu curso quando ele me perguntou se eu era das FFAA e respondi-lhe que não. Pareceu-me ficar mais à vontade com aquela resposta negativa, disse ter bastante conhecimento e convívio com generais e outros militares que ali apareciam naquele Café, mas que nos últimos tempos eles andavam mais distantes dele. Atribuiu o fato após saberem de suas convicções políticas e ideológicas. Passou a ser visto com reserva, já não comentavam o seu dia com naturalidade. Eu, como bom ouvinte, viajava na sua narrativa, ele olhava além das vitrines ao nosso redor e o tempo tinha um túnel que percorríamos em uma cumplicidade impar.
– “Esses atos de vandalismo que vimos semana passada, (ocorridos em 12/12/2022) não vai acabar, pode apostar que terá novos desdobramentos”!
Ao falar com tal ênfase parecia externar suas últimas forças, deixando sair sob forma de uma análise politica ao tempo em que dizia — vi a morte de Getúlio, de Jango, vi Juscelino, e toda uma ditadura- aprisionar-lhe o peito, a sufocar-lhe a razão.
– “Eles não estão nada satisfeitos com essa eleição”.
Em meu sequioso desejo de volta a uma normalidade democrática no pais, pensava existir naquelas falas um certo devaneio, sentimentos represados em um idoso carente de conversar, uma teoria da conspiração, como se costuma dizer vez ou outra.
– “o que aconteceu essa semana é só o começo, vem coisa aí”!
– “Eles andam me olhando de lado, já não querem minha companhia, sabem que os conheço muito bem”!
Em dado instante, olhei o relógio, vi que já havia se passado mais de meia hora, envolto em uma história de vida a princípio fantasiosa, permeada por conquistas amorosas, discursos de formatura, contato com Getúlio Vargas no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.
Havia em sua fala uma vidência, um cenário aterrorizante que pude constatar na véspera do Natal, quando o noticiário estampava um atentado à bomba no aeroporto de Brasília. O frenesi que o país viveu na virada do ano e posse do Presidente e Vice apenas ofuscava o hálito quente do dragão do fascismo saindo das masmorras.
Nós mesmos presenciamos em plena Esplanada dos Ministérios um atirador de elite postado no telhado do Ministério da Saúde abatendo com um armamento, um drone que sobrevoava nas proximidades do Itamarati. Tudo com uma maestria que passou para muitos desapercebido, evento ocorrido um pouco antes da passagem do cortejo presidencial. Aquilo foi um fato que não recebeu, por nós, a devida importância ou conhecimento mais aprofundado.
Despedimo-nos , eu e Evilásio, sem muita efusão, sem troca de telefones ou promessas de nos vermos no ano seguinte. Comentei com minha namorada e com os filhos, que apenas ouviram silentes.
Todas as lembranças guardo-as ainda vivas na memória. Alguns relatos, entretanto, os exponho agora, momento em que a polícia Federal divulga parte de seus relatórios, que envolve a participação de militares das FFAA, de civis, de um povo ignaro e empresários poderosíssimos a financiar a derrocada da democracia incipiente e frágil do país.
Nunca mais vi o senhor Evilásio, embora tenha pesquisado sua origem lá no Rio Grande do Sul, constatando a veracidade do que foi dito.
Não sei se ele ainda vive, por onde anda e o que fala. Sei que estamos frente ao fascismo dissimulado e distópico, fase cruel do neoliberalismo em que vivemos.
Preciso encontrar Evilásio novamente!
Evilásio deve ter mais histórias pra contar…vive assim como nós, com histórias que não acabam mais, testemunhas da vida desse país controverso e perverso!
Estava com saudades dos seus contos…bom saber que continua afiando a pena! Um abraço.
😁