Um aprendiz na Academia Feirense de Letras.
A Ivonize, Juan e Arthur
Os antigos gregos diziam que a sede da alma era o coração, que ali residiria todos os sentimentos. Portanto, vem do coração esse contentamento, esse agradecimento por aqui estar iniciando essa convivência com representantes das letras de Feira de Santana.
Quis o acaso ou a necessidade, o aleatório ou a intencionalidade da Academia que eu fosse indicado a ocupar a cadeira de número 09 da AFL cujo patrono é Honorato Bonfim.
Haverão de perguntar sobre um possível parentesco, confesso não saber se temos antepassados comuns. Talvez lá atrás, haja vista que a família Bomfim, oriunda de Portugal, preferencialmente veio a se radicar na Bahia. Essa é a primeira coincidência.
A segunda coincidência à profissão que abraçamos, a Medicina e com dedicação em particular a arte da Obstetrícia e os meandros da alma feminina na opção pela especialidade da Ginecologia clínico cirúrgica, que busco desvendar e, creio, sei que não conseguirei perscrutar os seus mistérios.
Outras coincidências menores se mostram nessa indicação, posto que, assim como o Dr. Honorato Bonfim nasceu e viveu entre o fim de um século ( XIX) ate metade do século XX época em que ele conviveu com a primeira e segunda guerras. Há cem anos a pandemia de gripe espanhola assombrava o mundo, período em que o Dr.Honorato Bonfim aqui se radicou, numa Feira de Santana rural, provinciana, para exercer a prática médica como Gineco-Obstetra e Clínico Geral. Numa cidade onde 80% da população não sabia ler e escrever o Dr. Honorato se sobressaia, detinha um conhecimento invulgar, extenso. Era um poliglota, falando sete idiomas, autodidata, fazendo-o exercer também a atividade de professor na Escola Normal ( atual Cuca) e depois o Ginásio Santanópolis.
Costumava publicar seus poemas e crônicas no antigo jornal A Folha do Norte onde a sua atuação nas letras foi marcada por uma poética gauche numa Feira de Santana ainda pequena, de costumes conservadores. Sua lírica de cunho primordialmente parnasiana, dessa forma, enfrentava a disputa de estilos da época, décadas de vinte a quarenta do século passado, frente aos cânones imperdoáveis da época – os modernistas- lírica portanto marcada pelos sentimentos comuns aos homens.
Era nominado de passadista, sobretudo pela sua posição social pequeno burguesa bem como
pelos conflitos existenciais entre o seu mundo material e sua formação cristã. O nascer, o morrer, os amores e as dores, expressavam infortúnios marcantes na sua lírica a um tempo um pouco romântica, um pouco simbolista, a qual conflitava com as novas tendências artísticas, literárias, vindas do sudeste do país bem como da capital baiana, de onde soprava novos ventos, de onde se destacavam novos escritores e poetas que viriam a criar a representação local do modernismo, a Revista Arco e Flecha. Honorato Bonfim permaneceu, contudo, fiel à forma sobejando na escrita as regras parnasianas de métrica e rima a despeito de esparsas tentativas de expressar-se em novas linguagens, porém conservando as estruturas semânticas e léxicas dos estilos anteriores.
Hoje, passados um século da Semana de Arte Moderna, findo mais um verão, sinto-me honrado por ocupar tão importante cadeira na Academia de Letras de Feira de Santana.
Assim como Honorato Bonfim, um escritor múltiplo, conforme designação da Prof. Dra. Evelise Hoisel ( UFBA), posto que ele exercia a medicina como oficio, o magistério, era também poeta e cronista. Eu, entre a medicina, minha profissão
e as letras prefiro entender-me como um aprendiz em busca de uma medicina mais humana, menos industrial e mais igualitária e, sendo redundante, mais humanizada. Nas letras, incorrigivelmente apaixonado, mas afeito ao aprofundamento das transformações da língua e da literatura.
Nos deparamos hoje com mais uma guerra, com bombas e mísseis, mas também com uma guerra hibrida, onde o concreto e o fantástico coexistem, a Tecnologia da Informação e o que chamaria de Tecnologia da Desinformação, as fake news, são partes do nosso dia a dia.
Como há 100 anos atrás convivemos com uma pandemia, ceifando vidas, projetos, amores. Sofrimentos expressos nas artes plásticas, no teatro e cinema, na música e nas letras.
Diferente do passado, não temos na atualidade um padrão acadêmico a ser combatido, embates entre escolas, estilos a serem suplantados como se melhor fossem, como se um estilo sobrepusesse ao outro. Os estilos, qualquer que seja que o suceda sempre guardam traços de seus anteriores numa intertextualidade inevitável.
Vivemos o tempo da poesia moderna, da poesia concreta, marginal, da cultura Hip Hop, da manifestação artística no muro, no tapume. A tela, o tecido, qualquer tinta ou cor, o computador, o autidor, todas são ferramentas, como dizia o grande Professor Milton Santos, que o homem desenvolve de formas a imprimir nossas marcas no mundo, a transforma-lo.
Seja através do Eu – a lírica, a expressão artística, seja através do coletivo, do acadêmico e suas ferramentas, ditando formatos da sua arte, muito além do crítico, muito além da crítica, sem desmerecer é claro a sua importância.
A letra inconformada, num tempo intransitivo, pronta para ser consumida, não se conforma com um padrão. É mutação, como a língua, como as línguas que distanciam e que se beijam ao longo da história.
A minha letra em particular pode ser a chama que aquece um chá ou café de fim de tarde, pode ser o alucinógeno das noites insones ou a endorfina da luz do dia. Tudo como marca do nosso tempo. Tudo como a nossa marca na história!
Obrigado!
Wagner Bomfim
04/03/2022
Será obra do acaso ou o cosmo conspirou para este belo encontro poético?
Fantástico texto, como sempre, flui e penetra no leitor atento a sua escrita harmoniosa, sensível ……..
Homenagem bem merecida.
Parabéns Wagner.
Indicação precisa na cadeira certa…nenhuma outra combinaria tanto. Parabéns, amigo. Continue a nos presentear com seu estilo de vida em prosa e verso.
Há algo de Honorato em Wagner.
Lindo, parabéns!! Você merece. Um abraço.
Não conhecia a história desse feirense que nos orgulha, Honorato Bonfim… Nossas escolas precisam ter um maior cuidado com a cultura, trazendo-a às crianças e jovens; nós precisamos honrar a todos que vieram antes de nós e pavimentaram o chão que pisamos.
Meu amigo, Feira de Santana ganha com seu trabalho humano na medicina e com seus textos em prosa e verso. E essa coincidência da "vida" entre vc e Honorato Bonfim é como um grito da ancestralidade a nos dizer: cultura e humanidade, resistam! Cultura e humanidade, o mundo NECESSITA de suas luzes!
Parabéns,doutor! Muito sabia e merecida indicação.