As Praias de Salvador.

As praias de Salvador: Entre o Turismo e a Luta dos Barraqueiros pelo Direito à Cidade.

 Salvador, com seus 105 km de orla, das águas calmas da Baía de Todos os Santos às ondas da Praia do Flamengo, é um cartão postal do Brasil. Mas por trás das paisagens paradisíacas, um conflito silencioso se desenrola na areia: a batalha diária dos “barraqueiros de praia” pelo direito ao trabalho e ao espaço público.
O paraíso mostrado em fotografias para as agências de turismo mundo afora esconde, contudo, um Palco de Desigualdades socioeconômicas e culturais. Os trabalhadores informais — cozinheiros, garçons, montadores de toldos — que transitam no entorno desses espaços são parte vital da cultura soteropolitana.

Há décadas, famílias transmitem entre gerações o ofício de oferecer comida típica, bebidas e outros serviços aos banhistas. São eles que dão vida às praias, transformando-as em espaços de convívio e lazer, dado a inexistência na cidade de uma economia baseada em indústria ou comércio, esta última perdida sua importância há séculos.
No entanto, sua realidade é marcada pelos seguintes aspectos:-“precariedade” do trabalho; exclusão legal imposta pelo Decreto Municipal 33.840/2021 que proíbe barracas fixas, ignorando décadas de ocupação; a “invisibilidade”: os trabalhadores são excluídos de licitações, disputam palmo a palmo o espaço com empreendimentos formais; a “sazonalidade”: sobrevivem do verão e do Carnaval, com renda insuficiente no resto do ano.
 Como aponta o sociólogo Ricardo Antunes, estamos diante de uma “servidão contemporânea”: trabalho braçal, sem proteção, onde o corpo é tratado como “máquina descartável”.
A Cidade que Segrega Salvador, cuja economia gira em torno do turismo, reflete uma contradição perversa: enquanto atrai capital globalizado, marginalizando quem produz seu charme local, os barraqueiros, em sua maioria oriundos de periferias e com baixa escolaridade, encarnam a face mais crua e perversa dessa exclusão.
Henri Lefebvre já alertava que o “direito à cidade” não é só acesso à infraestrutura, mas ao “protagonismo” na construção do espaço urbano. Para Ermínia Maricato, a segregação em Salvador é fruto de um modelo que privilegia o capital imobiliário em detrimento de comunidades tradicionais.
Desta forma, algumas soluções são possíveis, onde destacaria o Cooperativismo e a criação de Identidades. No primeiro item, as Cooperativas de Trabalho com Autogestão permitiriam a negociação coletiva com o poder público, a capacitação em gestão e finanças e a redução de conflitos pela organização do espaço. Noutra vertente poder-se-ia desenvolver uma Economia Criativa com identidade local relacionada a cada praia, com o desenvolvimento de design de produtos com elementos culturais (padrões de capoeira, símbolos afro-baianos, cultura baseada no surf, pesca/puxada de rede, a criação de embalagens ecológicas (sacolas biodegradáveis, reutilizáveis) e a valorização da gastronomia ancestral como patrimônio imaterial.
Por fim defendemos uma orla marítima mais justa onde os barraqueiros não sejam “problema”, mas por outro lado sejam transformados em agentes contributivos, seja “solução”.
Sua resistência secular revela a potência de um trabalho que une sobrevivência, mas também afeto pela cidade. Incluí-los não é caridade do poder público, mas  reparação histórica.
Quando o Estado nega o direito ao espaço, nega o direito de existir” já citava o cientista Milton Santos.
Transformar essa realidade exige portanto romper com a lógica que vê a orla como mera mercadoria.
Afinal, numa cidade que se orgulha de sua alegria, não há festa possível sem justiça social.
 Wagner Bomfim
 21/07/2025.
 Referências:
1. ANTUNES, R. O privilégio da servidão (2020);  2.LEFEBVRE, H. O Direito à Cidade (2009);  3.MARICATO, E. Brasil, Cidades (2001);
4. Decreto 33.840/2021 (Salvador).
5.SANTOS, M. O espaço do cidadão (2007).

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Paulo
Paulo
3 meses atrás

Maravilha as soluções existem e algumas postas acima. Na verdade, o estado brasileiro privilegia a elite por isso tem regulamentação própria para produção e comercialização de alimentos para grandes empresas, mas não para os pequenos comerciantes (esses eram regidos pela policia). Quando era da ANVISA, condicionei a minha permanência a duas condições: (i) que o órgão se preocupasse com o comércio informal visto que na época do início do governo Lula, existiam cerca de 800 mil minicomercios informais operados por pessoas semi ou não alfabetizados no Brasil, mas que movimentavam cerca de 8 bilhões ao ano, razão pela qual deveriam ter normas simples para manutenção e controle de qualidade e (ii) que retirasse um artigo da lei que pregava a utilização de uma colher de sopa de água sanitária em um litro d’água para higienização de alimentos. Não sendo atendido, pedi o boné.

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  2. Marirone em Sempre
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