O médico Uber
Ele chegou arfando, apressado, numa antessala de centro cirúrgico de um hospital. Sentou-se e logo após abriu um vasilhame de plástico e de lá retirando uma refeição, começou a almoçar às 14:25 horas.
Diante da crescente oferta de profissionais de saúde no mercado de trabalho, onde se destaca a oferta de médicos, esse é o cenário para quem se desdobra entre plantões, ambulatórios, longos turnos de cirurgias, tudo na qualidade de empreendedor de si próprio.
São os novos profissionais do mercado de trabalho que “ empodera”, que cobram mais e mais “desempenho”, peça substituível na sociedade capitalista neoliberal.
Este trabalhador, cioso de ser empresário de si mesmo, “pejotizado”, esgota-se em lições de marketing, vende uma imagem asséptica de grande gestor, de lúcido empresário, vestindo jalecos e blazers com gravatas dissonantes adquiridas via cartões de crédito, pagando mensalidades a um coach ou influencer digital para impulsionar sua imagem nas redes sociais.
Sua vida privada invariavelmente é exposta, nos supostos paraísos consumidos pelos novos ricos, quando não incorporando discursos na fronteira da ética.
É o “médico uber”, vendendo uma imagem de autonomia, embora escravo da captação de clientes, “nômina moderna” para os antigos pacientes, ocupado em checar engajamento no Instagram. É o novo médico que não escuta, não toca, não vê. Impõe somente uma logomarca fria, insossa, sem humanidade, quando muito vendendo seguimento por tempo pré-definido.
Sua agenda é determinada pelo gosto do mercado, nem que ele se exaure em dancinhas no Tik Tok até colocá-lo em pleno Burnout e depressão, lado sombrio dessa moeda da sociedade neoliberal.
Esgota-se física e psiquicamente, embora faça cursos “Mindset”, lives, reels, entre dicas de engajamento para faturar invisíveis K de uma população de enormes carências financeiras. Enquanto isso, ele tem diante de si um empréstimo vultoso a pagar ao longo de 32 anos (payback) pelo investimento feito na formação médica.
Em virtude disso, torna-se uma máquina de “performance” à mercê de um algoritmo humano, sua agenda, maleável como a de um motorista de Uber, onde o que antes era um paciente de carne e osso, hoje transforma-se tão somente em ativo financeiro. Se não amplifica seus atendimentos, internaliza culpas, frustrações e sensação de fracasso em uma medicina transformada em startup, networking a serviço das indústrias farmacêuticas, de equipamentos e das redes hospitalares.
Ao final do dia, meses, anos, ele não consegue “ virar a chave” da escravidão moderna pois fez opção pela suposta independência dentro do modelo neoliberal. Nem mesmo a chave ele sabe onde está e qual chave usar para abrir a porta da própria liberdade, hoje disfarçada de exploração individual quando em verdade, sabemos, ela é estrutural.
“E agora José” ?
Wagner Bomfim
30/11/2025

Excelente!
. Maravilha, excelente. O médico uberista precisa ser eficiente para as redes de “saúde” e a exploração social descaracterizando sua atividade profissional. Vergonha nacional!
Nossa! Verdades! Infelizmente o modelo econômico tem uberizado todas as profissões, inclusive a medicina! Infelizmente se soma a isso muitos que se formam médicos sem vocação, por outros interesses que não estão na lista do Hipócrates…. Parabéns! Vc conseguiu ser e é diferenciado e seus pacientes criam vínculos de confiança e amizade pelo MÉDICO HUMANO E COMPETENTE que você é!