O Mar Adriático

*O Mar Adriático…*



Lá pelos idos de 1975, eu morava em Curitiba e estudava na 3ª série da Escola Sebastião Paraná, mantida por uma instituição espírita. E isso só soube décadas depois, quando já estava na Terra de Todos os Santos, Encantos e Axé.
Sempre gostei de geografia, estudar mapas, viajava neles e tinha um sonho, até hoje ainda não realizado, de ter um globo terrestre. Ficava maravilhado quando ia à papelaria comprar os materiais escolares e via aquela bola azul no lugar mais alto da prateleira, brilhosa, inatingível, tanto pela minha pequena altura de criança, quanto pelo limitado  poder aquisitivo dos meus pais. Ainda vou ter um globo para chamar de meu!

Os mapas eram de uma publicação de uma editora famosa, chamada Almanaque Abril, com tiragem anual e que meu pai sempre comprava. Era uma expectativa animada quando saía a edição mais nova. E numa dessas, em um fim de semana com visitas, vendo com a curiosidade costumeira uma mapa da Europa na companhia de um tio que apontou uma porção de água, querendo demonstrar conhecimento diferenciado, encheu a boca e me apresentou a um mar que ficava do lado leste da Itália! Nossa, fiquei super satisfeito de aprender mais essa novidade, principalmente por ter um nome diferente, sonoramente silábico aos ouvidos, longínquo e enigmático, A-dri-á-ti-co! Mar Adriático que não mais sairia da minha cabeça.

Na segunda-feira seguinte, durante uma aula, fomos apresentados ao Mapa Mundi, que maravilha! Minha especialidade! A professora Doriana*, fez uma atividade em que cada aluno deveria escolher um lugar e encontrar no mapa. Ansioso para que chegasse a minha vez, já havia escolhido o meu lugar, torcendo que ninguém roubasse a minha ideia, mesmo sendo segredo só meu. Quando fui chamado ao quadro negro, a professora me perguntou qual o lugar que eu queria encontrar no mapa. Não titubeei e, na lata, emocionado, falei: Mar Adriático! Aí, ela me olhou meio sem graça, olhou para o mapa, olhou para mim de novo e soltou uma pérola que nunca mais eu esqueci: “está do outro lado!”.

Minha decepção foi tão grande, mas tão grande, que fiquei sem palavras. Voltei petrificado para minha carteira. Naquele instante, soube que a Terra era plana, tinha frente e verso e que a Itália tinha uma impostora e que a verdadeira estava na outra face da Terra. Tudo numa lapada só. E hoje constato, estarrecido, que aquela professora foi a primeira terraplanista que conheci.
*Furankurin, o samurai tupiniquim.*

(*) O nome foi modificado por razões óbvias. 


Franklin Passos

1- Médico atuante da ABMMD ( Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia)

2- Fotos: BBC News

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Wagner
4 anos atrás

Bela sintese das aspirações e das decepções humanas, entremeado com fina ironia dos nossos tempos!

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Comentários

  1. Neci Soarea em Análise
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