Eu sempre encarei algumas datas do calendário com certa indignação, diria que até com um certo desprezo, tipo as comemorações do natal e de fim de ano, com sua fingida cristandade ou a data homenageando o dia das mães por exemplo, todas elas, sem exceção, de apelo meramente comercial.
Esse ano fiquei em casa, assim como muitos filhos, distantes de suas mães. No máximo um contato virtual com quem lhes concedeu o dom da vida, sem uma visão exagerada e romantizada da maternidade, mas sobretudo pelo momento critico, em que buscamos protegê-las da possibilidade, cada vez maior, de contaminação pelo coronavírus e portanto preferi ficar na minha.
Entre tantas situações calamitosas que vivemos nessa nau sem rumo chamado Brasil, destaco uma que entendo merece o meu devido registro. Existem milhares de mães com filhos menores de 12 anos , com lactantes, mas que se encontram em imundos presídios e que, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal -STF deveriam ter a sua prisão relaxada, cumprindo-a em regime domiciliar, porém os doutos do CNJ não mandam soltar essas 5 mil mulheres expondo-as à contaminação, agora de mais uma doença, pelo Covid19, amontoadas que estão nesses espaços promíscuos.
Fiquei a pensar em minha mãe e nos seus cabelos brancos, a pensar em todas as mães e imaginando aquelas mães, com suas cabeças grisalhas precocemente pelo sofrimento. Mulheres aprisionadas por diversos crimes, que nessa seara não me cabe aqui tergiversar, e que como se tem notícia, muitas dessas mulheres prisioneiras sem o trânsito em julgado, mas que lá estão, condenadas na instância maior da cegueira total, de uma justiça que quase nunca se faz, que quase nunca se cumpre, sobretudo quando se refere aos direitos das mulheres, das negras e das pobres desse país. São mães que por certo choram seus filhos, entregues a sorte. Filhos que sequer chegam ao asfalto, não descem a ladeira, como dizia o cantor Moraes Moreira. Caem lá mesmo, esses filhos, em covas rasas, vítimas das “balas perdidas“, vítimas das milícias e agora do Covid19, que avançam pelas Sapopemba, pelo Alemão ou lá no Pirambu.
Grotões de miséria, desconhecidos mundos para aqueles senhores togados, de peruca ou de bochechas rosadas, tal qual o rabo das lagostas por eles consumidas e arrotadas, em escárnio a esse povo miserável, consumidores de auxílio emergencial. Cabe convém diferença-los, esses miseraveis, de uma outra turma esperta, os consumidores da caserna, que com uniforme de combate de guerra abocanha fartos milhões do dinheiro público, agora com a cereja de um auxílio emergencial para suas baixas patentes. Para essa população de miseráveis, pouco importa se cabe ou não o benefício de suas anômalas decisões judiciais, desde que eles, os miseráveis, não atrapalhem o horário de suas sonecas ou do convescote nos salões da grande burguesia.
Enquanto isso nesse dia das mães, milhares de covas rasas são abertas para receber essa gente pobre, por falta de testes diagnósticos para toda a população e de leitos hospitalares indisponíveis na lógica governamental genocida, assim como a coragem de tomar as medidas consequentes do fechamento de cidades inteiras, no propósito de frear a pandemia e que, quiçá, permita reavaliar o modo de sociedade que queremos. Mas esses togados preferem manter o script da estrutura social injusta, equidistante da vida dos mortais, posto que se consideram deuses do Olimpo e as penas impostas a essas desvalidas mães, no entender desses senhores são mais que merecidas, pois na sua visão, mães não deveriam cometer crimes e portanto mofam na umidade e no desprezo. Portanto, para esses deuses isso são meras questiúnculas jurídicas que maculam o seu sagrado dia das mães.
O resto não vem ao caso!
O resto não vem ao caso!
Wagner Bomfim
10/05/2020

É uma punhalada de realidade, amigo, muito bem descrita, com sua sensibilidade de poeta.
Esta justiça mórbida, seletiva neste país de miseráveis.
Traíste realidade!!
É uma punhalada de realidade, amigo, muito bem descrita, com sua sensibilidade de poeta.
Esta justiça mórbida, seletiva neste país de miseráveis.
Traíste realidade!!