Uma Quântica Saudade

Assim como o copo vazio está cheio de ar, disse o poeta, uma garrafa de uísque ficou quase cheia, comprada um ano antes, ainda nos espasmos finais da pandemia pelo Covid19, em casa de um amigo que tinha nos recebido e por lá ficamos até a madrugada de um sábado de um verão quente e seco.

A virtualidade dos tempos, sobretudo pós pandemia, nos colocava equidistantes de uma reta traçada por nossas vidas, tempo em que trocávamos mensagens onde um carteiro vez em quando batia às nossas portas.

Mas outra porta se abriu, e eles, os amigos, afáveis, nos convidaram a acorrer à mesa, redonda, sem cantos, girando, girando qual um estroboscópio(1). Era essa também uma noite quente de janeiro.

– “ Olhe como está sua garrafa de uísque? Quase vazia, pois fulano tomou quase toda”, falou-me assim entre risos!

Disse-lhe que era sinal de que tinha amigos queridos e que por certo eles estavam felizes.

Saboreei a última dose do destilado daquela garrafa com os sentimentos estranhos de elilpsism (2) e enouement(3) que a psicologia tenta explicar, mas a indescritibilidade da alma  tem curvas, tem recônditos inexplicáveis que estudos sequer almejam alcancar.

Entre presentes e projetos me apresentou uma nova garrafa, como se estivesse eu com o copo vazio. Desta feita a olhei, estava ainda sem o ar nela represada, contida. Ali, impoluta, cheia, porém ainda sem histórias, sem avivar os pulmões da vida ou a tecitura entorpecida pelos dias, pelo tempo congelado. 

Ali estava retratada a equivalência massa-energia de Einsten, uma máquina do tempo que nos remetia ao passado e ao futuro, mesmo que nela sequer adentrássemos. Eram os janeiros que nos orientavam, eram os sentimentos de pertencimento que nos desorientavam perante a luz da sala.

Na velocidade  da luz acordei e olhei em volta. Estava em vias de chegar a fevereiro de um ano qualquer e a “ conjectura  de proteção cronológica “ (4) se fazia presente. Atravessamos quânticamente o tempo e espaço, sem dosador de garrafas, amigos sem válvula alguma na intemporalidade da existência , na fração e conta certa do coração! 

Wagner Bonfim

30/01/2023

Em homenagem ao dia da saudade 

Referências.

1- dispositivo óptico 

2- tristeza por perceber que não viverá o futuro 

3- voltar ao tempo 

4- Stephen Hawking

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Emanoelle
Emanoelle
2 anos atrás

Eu atualmente ando vivendo de saudades!! De tempos idos é vividos. Tenho me sentido nostálgica! Parabéns, Dr Wagner , belo texto.

Marirone
Marirone
2 anos atrás

Como é possível escrever dessa forma? Impressionante! Vc, meu amigo, é um artista das letras. Sua garrafa de whisky ficará aqui pra a próxima viagem no tempo.

Cingia Portugal
Cingia Portugal
2 anos atrás

Que lindeza de texto: Tim- tim!:” e por falar em saudade….”

Ivonize
Ivonize
2 anos atrás

Vivendo o agora e prosseguindo para usufruir mais momentos como estes vividos com amigos tão queridos !❤️

Marirone
Marirone
1 ano atrás

Relendo e constatando a beleza de sua alma poética! Que texto lindo!

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Comentários

  1. Neci Soarea em Análise
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