Terra de Lucas da Feira
I
De carros, bois e estradas
Terra de Lucas da Feira
Sob a benção de Santana
Gente forte altaneira
Expansão da Sesmaria
De Santo Amaro primeira.
II
Viajantes e nativos
Pelo clima encantado
Dormiu e se perdeu
Pois enfeitiçado
Esquecido o destino
Aqui foi civilizado.
III
Couro, leite, vacum
De tudo pode comprar
Ferro, carro ou avião
Coisinhas de afeitar
Cravo, canela, buchada
Pra todo gosto levar.
IV
Já cantava Noratinho
Doce pamonha e lelê
Tabocas, coco licurí
Costumes de se comer
Nas tardes de primavera
Nos braços do bem querer.
V
O trem apitava forte
Do Tomba até Cachoeira
As vidas encruzilhadas
Na Leste Brasileira
Num vai e vem incessante
Envolvida pela feira.
Tênis Clube, Cajueiro
Só quem podia pagar
Gente sem grana tinha
Outras casas pra gozar
Tamarindo, Sonho Azul
Era melhor breguear
VII
Aqui passou literatos
Políticos, imperador
Democratas, comunistas
Fascistas, comendador
Almas perdidas à toa
Na esteira do contador.
VIII
De cultura vicejante
Teatro, cinema, jornal
Na política destacava
Liderança sem igual
Hoje perdida no tempo
Arte morta, conceitual.
IX
Lê Gouteur, Iris, Iglu
De tudo um pouco gozar
Da maniçoba de Ana,
Do Ferro de Engomar
Da capoeira batida
Sarapatel de aprumar.
X
Tudo já amortecido
Pelo tempo inconteste
Desmando, incúria, zelo
Com traços de cafajeste
Gente de bem amiúde
Assim certo se traveste.
XI
Lucas da Feira ladino
Manhoso e intrigueiro
Deixou herança, dom
De infame baderneiro
Hoje tem gente pior
Sob a pele de cordeiro.
XII
Se puta fosse moeda
Seria rica a cidade
Desfilando nas colunas
Com toda a mocidade
Bombando a economia
Cheia de alteridades.
XIII
Corno aqui de chocalho
Certo ninguém dormiria
Valei-me nossa senhora
Dessa nossa freguesia
Entre putas e cornos
Falo sem aleivosia.
XIV
Da antiga profissão
Quero logo avisar
Merece o meu respeito
E todo meu estimar
Com toda benquerença
De quem sabe respeitar
XV
Faça chuva faça sol
Labor é dignidade
Umas são até dificeis
Outras diversidade
Melhor é ganhar o pão
Com toda felicidade.
XVI
A cidade hoje convive
Em tramoia e falsidade
Pobre que vira rico
Com a maior brevidade
Pedro Malazarte perde
Sua santa majestade.
XVII
Necrofílica, desumana
Preto, pobre e sem vez
Sangram pelas sarjetas
Números da desfaçatez
Das redes que alimentam
A roda da insensatez.
XVIII
Gente boa e competente
Aqui nasceu sim senhor
Ministros, literatos
Cineasta, senador
Se seguir nominando
Vou parar no Equador.
XIX
De tudo aqui acontece
Tragédia, amores, dor
As agruras do vaqueiro
Promessa de salvador
No preconceito mesquinho
Melancolia do autor.
XX
Sertanejo fica bravo
Com a ofensa rasteira
Mostra fibra no muque
Quiçá jogue capoeira
E o enfezado se borra
No brilho da peixeira.
XXI
Das lendas que se criou
Quase tudo é invenção
Feirense invocado
Deve ser de insolação
Na moleira de matuto
Que vive sem proteção.
XXII
Não arengue meu senhor
A gente boa e ordeira
Acolhe bem o passante
Gente conversadeira
Demora até no falar
Pau pra toda madeira.
XXIII
Esse povo tão maneiro
Labuta como ninguém
Na rua ou no roçado
Pra ganhar o seu vintém
Bandoleiros ou putas
Pouco importando quem.
XXIV
Como tem sido o país
Foi vilipendiada
Santana dos Olhos D’agua
Anseia ser libertada
Do jugo dessa opressão
Por tiranos assaltada.
XXV
A Princesa do Sertão
Disse Rui assim um dia
Hoje tristonha espelha
Turba, ranço, picardia
Arremedo de cidade
Esperando a alforria.
O caminho do amanhã
Passa por libertação
Dos políticos fascistas
Salvadores de plantão
Caras de democrata
Parentes do cramulhão.
XXVII
Retomar a sua história
De lutas, liberdade
Carece de educação
Pra todos igualdade
Trabalho, segurança
Saúde, fraternidade.
XXVIII
A tantos que encantou
Hoje monta embestada
Na sela da ignorância
No bride da vaquejada
Roncador de rédea curta
Boleteira conjugada.
XXIX
Hoje aqui o trovador
Desfila soluços e ais
Do que foi a antiga terra
Hoje exporta feiraguais
Triste, mal afamada
Sem barco, velas ou cais.
XXX
Dos rios, lagos, fontes
Insistirei a cantar
Distantes eras passadas
No dia a dia a lutar
A um porvir altaneiro
Não canso de conjugar.
XXXI
Terra que sou vivente
Posso falar com razão
Contraste quem não os tem
Nas rodas da imensidão
Desordenada cidade
No portal do sertão.
XXXII
Deixo aqui bem marcado
Uns versos e escansão
Em gloriosa toada
Sem herói e sem vilão
Proseando a história
Da Princesa do Sertão.
Wagner Bomfim
13/08/2020




