A conquista da memória.
É comum ocorrer um fenômeno muito prevalente nos debates, sobretudo na seara política, que, na vigência da falta de argumentos convincentes, parte-se para um ataque ao opositor, dissimulando assim a incapacidade de provar determinadas teses.
O recente artigo de um jornalista baiano critica veementemente a premiação da atriz Fernanda Torres ao interpretar o filme dirigido por Walter Salles, “Ainda estou aqui”.* Dizia ele que a esquerda brasileira sofria de complexo de vira latas, que o “bolívarlulupetismo idolatrava um filme como bálsamo para seu sofrimento e, por último, referia que aquela premiação fosse devida à produção e ao incentivo da Rede Globo de Televisão.
Ora, a sua tese, além de absurda, é insana. Pensar que uma rede de televisão latino-americana tenha o condão de interferir na decisão de inúmeros críticos de cinema mundo afora, conferindo à atriz e ao filme premiações suspeitas. Além disso, sua tese fere princípios de um bom jornalismo, pois deveria ele se ater à interpretação da atriz e do filme com análise aprofundada de seus aspectos técnicos.
A análise da mensagem nele passada, mensagem essa cara não somente para o ideário de uma esquerda brasileira, mas fundamental para correção dos rumos que a ditadura burguesa infringe ao povo há séculos, creio, seja de uma magnitude impar.
Nas semanas seguintes a essa falácia jornalística o filme “Ainda estou aqui” * desandou a ganhar prêmios calando-o, o jornalista, sem que houvesse por parte dele uma retratação, se é que existe no ideário da direita a retratação, a ética e uma correção de rumos do discurso exposto para seus alunos.
Os filmes e seus representantes a disputar a estatueta da Academia de Cinema de Hollywood, o Oscar, todos eles, têm também amplas possibilidades de premiação. A possibilidade do “Ainda estou aqui”, de não obter uma estatueta da Academia de Cinema, nem de longe diminui a obra de Marcelo Rubens Paiva, filho do deputado morto pelos fascistas nas instalações militares em pleno período da ditadura.
A longa noite que assomou o país ainda reverbera em todos os cantos, no parlamento, nas instituições. Os fascistas ali instalados insistem tão somente no esquecimento coletivo das barbáries. A correção dos rumos, volto a dizer, não é e nem deve ser um desejo somente da esquerda, mas de todo tecido social carente da verdadeira democracia.
É preciso identificar onde se escondem os “guardas da esquina” e mantermos viva a memória para que o sofrimento não perdure. Esse é um sentimento de todo o Brasil.
Que venha o Oscar, quer seja para a galeria do cinema nacional, quer seja como instrumento para a conquista da memória nacional.
“Ainda estamos aqui”
Wagner Bomfim.
01/03/2025
P.S. Ainda estou aqui – Filme baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva.